Presidente já deu diversos motivos para que a sociedade creia que ele pode não aceitar um eventual resultado negativo
Por Ricardo Corrêa
As eleições só acontecem em outubro e a campanha efetivamente nem começou, o que sugere que mesmo que esteja atrás hoje nas pesquisas de intenção de voto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) pode reagir, virar o jogo e vencer a disputa contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O histórico de eleições anteriores, como 2014 e 2018, mostram que fatos novos e muita movimentação ao longo do processo tendem a alterar as perspectivas rapidamente. E é por isso que não se pode cravar quem vencerá. Contudo, são cada vez mais claros os indícios de que, se não vencer ou se enxergar que não tem qualquer chance para isso, Bolsonaro pode optar pela saída mais radical: um golpe de Estado, seja tentando impedir a realização das eleições, seja não aceitando seus resultados.
Na última semana, tivemos mais dois episódios que indicam que essa possibilidade, embora rechaçada pelos adversários, possa se concretizar. Falo do recado de que as Forças Armadas são o último obstáculo contra o socialismo no Brasil e do pedido de ajuda a ao presidente norte-americano Joe Biden. Não significa dizer que Bolsonaro conseguiria dar um golpe, mas é possível que tente, e a sociedade deve se preparar para isso. Para quem não acredita que ele de fato tentará, elenco abaixo vinte motivos para pensar um pouco mais detidamente sobre o assunto:
1 No sábado, em evento no CPAC, evento de conservadores organizado pelo deputado federal e filho Eduardo Bolsonaro, o mesmo que já disse que para fechar o STF bastaria um cabo e um solado, o presidente afirmou que as Forças Armadas são o último obstáculo contra a instalação do socialismo no Brasil. Notem a mudança de discurso. Não é mais a candidatura de Bolsonaro que representa essa chance, mas a ação das Forças Armadas. Considerando que Exército, Marinha e Aeronáutica não disputam as eleições e nem podem nela interferir, como é que as Forças Armadas poderiam se insurgir com a implantação do socialismo, que Bolsonaro por diversas vezes atribui a Lula, seu principal adversário e hoje líder das pesquisas?
2 Dias antes desse encontro, em Los Angeles, nos Estados Unidos, o presidente brasileiro se encontrou com Joe Biden e, segundo a imprensa norte-americana, pediu ao presidente dos Estados Unidos ajuda, dizendo que Lula seria uma ameaça aos interesses daquele país. Bolsonaro negou sem muita convicção, dizendo ser especulação. Considerando que Biden não vota no Brasil, que não tem como participar da campanha aqui e nem mandar recursos ou outras coisas, por proibições da lei eleitoral, o que exatamente Bolsonaro queria de Biden? É razoável supor tratar-se da tentativa de ter respaldo para alguma medida que o mantivesse no poder. Sabe-se que um golpe não se sustenta sem apoio externo e que o isolamento internacional aniquilaria qualquer chance de uma ruptura prosperar em uma nação democrática.
3 Nos últimos dias, Bolsonaro também ampliou os ataques a presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Critica duramente o anterior, Luís Roberto Barroso, o atual, Edson Fachin, e o futuro, Alexandre de Moraes, acusando-os de participar de uma espécie de complô para devolver Lula ao poder. Mesmo com esses ministros tendo votado majoritariamente contra Lula em grande parte dos episódios da Lava Jato. Sustenta assim que as eleições não seriam limpas.
4 Além do mais, ele reforça essa tese ao dizer, embora ele próprio ressalte que não tem provas, que houve fraude quatro anos atrás. Bolsonaro diz que foi eleito no primeiro turno e criou a tese de que hackers interferiram na disputa na primeira etapa e só não o fizeram na segunda pois não foram pagos. Falou disso duas vezes nessa semana e afirmou que não deveria ter havido eleição em 2020 sem a conclusão de um inquérito sobre invasão de hackers a dados administrativos do TSE. O inquérito não foi encerrado ainda.
5 Mas e quando é perguntado se aceitará o resultado das eleições? Geralmente, o presidente não responde a essa pergunta simples. Quando o faz, diz textualmente que só sai do poder se houver eleições limpas. Isso, repito: após acusar os ministros do TSE de um complô contra ele e de dizer que houve fraude nas eleições de 2018, que ele venceu e que usará o mesmo modelo deste ano, foi fraudada. É bem visível o recado neste caso.
6 Essa luta contra o TSE, as urnas eletrônicas e o Judiciário não dá votos ao presidente. Pesquisas de aliados, alertas dados pelo centrão e resultados de todos os institutos profissionais sugerem que, quanto mais o presidente insiste nessa tese, mais ele perde votos. E, mesmo assim, ele opta por esse caminho, o que indica que Bolsonaro pode não estar mais trabalhando por votos, mas por apoio a uma ruptura. Por qual outro motivo ele sacrificaria as próprias chances de vencer nas urnas?
7 O presidente já compartilhou com seus aliados uma série de mensagens de cunho golpista, com pedidos de intervenção e um artigo que indica que é o STF quem quer dar um golpe na população.
8 As Forças Armadas, embora nos bastidores falem que não há possibilidade de embarcarem em um golpe, não o fazem publicamente. Nenhum integrante da ativa jamais afirmou abertamente que o presidente não conseguiria romper a ordem democrática. Instado a dizer isso no Congresso, o ministro da Defesa driblou a resposta. Não há reação institucional.
9 O ministro da Defesa, inclusive, enviou novas contestações ao TSE e reclamou que as Forças Armadas não se sentem prestigiadas no processo. Chamou as eleições de uma questão de soberania nacional (aliás, não se sabe o que Biden tem a ver com a soberania do Brasil) e afirmou que não interessa às Forças Armadas ‘concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores’. Chama ainda mais atenção essa atitude ser tomada após os militares passarem 25 anos sem fazer qualquer questionamento às urnas eletrônicas, como mostrou o jornal ‘Folha de S.Paulo’.
10 Inicialmente apontado como um anteparo, ou amortecedor aos rompantes do presidente e suas iniciativas para criar crises institucionais, o Centrão se calou. Integrantes de partidos que até então saíam a público para aparar arestas e reforçar a defesa das urnas já não o fazem. Ciro Nogueira virou ministro da Casa Civil e não trata mais do assunto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deixou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fazendo sozinho a defesa do processo eleitoral brasileiro.
11 O chefe do Executivo também não acredita em nenhuma pesquisa de intenção de voto e sugere que há um acordo dos institutos com o TSE para justificar o resultado, o que reforça a crença de que, qualquer que seja a decisão que sair das urnas, ele não acreditará nela.
12 O presidente também continua duvidando das eleições americanas, indicando que o problema não é o sistema eleitoral brasileiro. Mesmo às vésperas de se encontrar com Biden, o brasileiro reafirmou sua desconfiança de que ele tenha vencido. Bolsonaro nunca criticou a invasão do Capitólio e usa o episódio de lá como exemplo do que pode acontecer no Brasil, numa espécie de ameaça velada.
13 O presidente também disse, recentemente, que era do tempo de que se obedecia decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), mas que não é mais. E já disse textualmente mais de uma vez que pode desacatar uma ordem da Justiça.
14 No passado, o presidente brasileiro já elogiou o venezuelano Hugo Chávez que, à esquerda, também implementou um golpe para manter seu partido indefinidamente no poder, inclusive após sua morte. Bolsonaro, lá atrás, no distante ano de 1999, demonstrou admiração pelo general, que considerava uma esperança para a América Latina. E engana-se quem pensa que o presidente não sabia o que viria pela frente, já que ele enfatizou que o venezuelano faria lá o que os militares brasileiros fizeram de 1964 em diante.
15 Naquela mesma época, Bolsonaro também disse que pelo voto não se mudaria nada pelo Brasil e afirmou que, se virasse presidente, daria um golpe no mesmo dia. Foi a mesma entrevista na qual ele se disse favorável à tortura e que questionou por qual motivo os militares não teriam matado mais gente durante o período da ditadura.
16 Aliás, Bolsonaro nega o golpe de 1964 como de fato aconteceu. Reitera frequentemente que não foi um golpe, exalta acusados de tortura, aplaude todas as medidas do regime militar e não faz ressalvas à atuação repressiva e que impediu que os brasileiros elegessem presidentes da República por décadas.
17 Com cada vez mais frequência o presidente exalta líderes autoritários, como os da Rússia, Polônia, Hungria, assim como ditadores de países árabes a que visitou com pompa e circunstâncias. Não é privilégio só dele. Seu principal adversário, Lula, faz o mesmo, mas chama atenção no caso de Bolsonaro pelo conjunto da obra.
18 O presidente brasileiro também se comparou, na última semana, à boliviana Jeanine Áñez, ex-presidente que foi condenada pela Justiça daquele país acusada de um golpe de Estado. Ela assumiu após o resultado da eleição boliviana ser descartado e o presidente Evo Morales ser obrigado a renunciar. Bolsonaro questionou a decisão e perguntou se era um recado para ele.
19 Bolsonaro incentiva o rápido armamento da população em faixas que o apoiam incondicionalmente, facilitando o acesso a equipamentos militares através de CACs e incentivando que um povo armado jamais será escravizado.
20 Mesmo depois do estratégico recuo no dia seguinte às manifestações de 7 de setembro do ano passado, o presidente, com meses de antecedência, começa a organizar um novo ato para esta data. Dessa vez, realizado a menos de um mês das eleições, quando estará muito claro se ele tem ou não chances de vencer nas urnas. Na ocasião anterior, sobretudo na noite do dia 6 de setembro, houve presença ostensiva de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, com tentativas isoladas de rompimento do cordão de isolamento e invasão do STF. O presidente nunca condenou essas iniciativas. Fez o discurso do dia 7 inflamando ainda mais a militância, dizendo que tratava-se de um recado aos demais Poderes, em uma espécie de ensaio do que pode acontecer em 2022. É bom não subestimar.
O Tempo