Publicado em 21 de fevereiro de 2022 por Tribuna da Internet
Patrick Camporez e Daniel Gullino
O Globo
Quase a metade dos R$ 7,3 bilhões que entraram no caixa da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em 2020 e 2021, o equivalente a R$ 3,6 bilhões (valores corrigidos pela inflação), é proveniente das chamadas emendas de relator, o mecanismo pelo qual parlamentares destinam verbas do governo a seus domicílios eleitorais sem que sejam identificados.
Além disso, das 12 superintendências da empresa pública, pelo menos oito são comandadas por afilhados de caciques políticos, muitos deles ligados ao Centrão, grupo mais conhecida pelo seu pragmatismo eleitoral do que pelas orientações ideológicas.
VIROU BRAÇO POLÍTICO – A Codevasf foi criada em 1974 para apoiar o desenvolvimento das regiões pobres do Vale do Rio São Francisco. Com o passar dos anos, a companhia foi ampliando sua área de atuação e passou a abarcar regiões que estão a milhares de quilômetros do Velho Chico, com frequência para abrigar aliados de quem está no poder.
Parte relevante desse quadro foi desenhado pelo atual governo. Durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro, a Codevasf ganhou quatro novos postos — Goiânia, Palmas, Macapá e Natal. Desses, três foram entregues a políticos.
O superintendente de Goiânia é Abelardo Vaz Filho, ex-assessor do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). Ao tomar posse, no ano passado, Vaz Filho disse que iria atuar sob “orientação” de Vanderlan, de Bolsonaro e da “bancada federal no Congresso”.
OUTROS NOMEADOS – Em Palmas, o responsável pelo Codevasf no estado é o ex-deputado Homero Silva Barreto, do PL, partido do presidente da República. Em Macapá, a superintendência é comandada por Hilton Cardoso, ligado ao senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-aliado do Palácio do Planalto.
Filiais criadas por governos anteriores acabaram igualmente loteadas. O superintendente da Codevasf de Teresina é Inaldo Pereira Guerra Neto, tratado como “amigo” pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP). Já o posto da estatal em Alagoas tem como comandante João Pereira Filho, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A cúpula da Codevasf também está nas mãos do Centrão. O presidente da estatal, Marcelo Pinto, foi empossado em agosto de 2019, com o apoio de Arthur Lira, Ciro Nogueira e políticos do DEM, como o deputado federal Elmar Nascimento (BA). Dois meses depois, a irmã de Nogueira, Juliana e Silva Nogueira Lima, ganhou um cargo de assessora do presidente da companhia.
ORÇAMENTO SECRETO – De 2020 para cá, o caixa da Codevasf se alimentou substancialmente do orçamento secreto, via emendas de relator. Do dinheiro que sai da União até a destinação às prefeituras, feita por meio da estatal, quase todo o processo é controlado pelas mesmas mãos.
Muitas vezes, o carrossel funciona da seguinte forma: o parlamentar assina a emenda para enviar um montante à superintendência da companhia gerida por um aliado.
De lá, o valor é repassado a municípios comandados por prefeitos ligados ao mesmo grupo político. Auditorias de órgãos de controle mostram que, em algumas ocasiões, até as empresas contratadas pelas prefeituras para realizar as melhorias estão ligadas ao político que destinou a verba.
UM BAITA PREJUÍZO – Os números revelam que o resultado dessa equação política não deu certo. A Codevasf contabiliza prejuízo anuais desde 2015. Se somados, eles chegam a R$ 5,62 bilhões no período. Desse total, R$ 2,65 bilhões (47%) foram contabilizados ao longo de 2019 para cá, quando Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto.
No fim do ano passado, o chamado orçamento secreto ganhou mecanismo para dar transparência às indicações. Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), informações como o nome dos autores das emendas devem ser divulgados, mas isso ainda não aconteceu.
Em abril de 2021, o superintendente da Codevasf em Petrolina, Aurivalter Cordeiro, publicou fotos de uma entrega de maquinários a municípios de Pernambuco. Entre outras autoridades, aparecia nas imagens o senador e então líder do governo Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Cordeiro já havia trabalhado como assessor do parlamentar no Senado e foi indicado por ele para ocupar o posto na Codevasf.
HOMENAGEM SINCERA – Em dezembro passado, Cordeiro fez uma homenagem a Bezerra em seu aniversário. “Tem sido uma honra trabalhar ao seu lado ao longo de todos esses anos”, escreveu numa rede social.
Nos últimos anos, Bezerra enviou emendas de relator ao órgão. Dois ofícios obtidos pelo GLOBO contêm o nome do parlamentar do MDB como o responsável por destinar R$ 125 milhões do orçamento secreto à Codevasf local, que dispôs de um caixa de R$ 503 milhões em 2021.
As ligações não param aí. O prefeito de Petrolina é Miguel Coelho, filho de Bezerra, e tem sido contemplado com as obras da companhia.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como dizia Tom Jobim, é a lama, é a lama, é a lama… (C.N.)