Publicado em 20 de fevereiro de 2022 por Tribuna da Internet
Pablo Ortellado
O Globo
Nos últimos dias, começaram a despontar os primeiros elementos da estratégia de Bolsonaro de alegar fraude caso perca as eleições. De um lado, ele busca fomentar a desconfiança dos eleitores nas urnas por meio de uma campanha intensa de desinformação; de outro, pretende arrastar os militares para o centro da crise institucional que se anuncia.
Sem grandes surpresas, Bolsonaro resolveu descartar o compromisso de não atacar mais a confiabilidade do sistema eleitoral. O compromisso havia sido assumido após as duras reações das instituições aos protestos antidemocráticos de 7 de setembro de 2021 e depois que a proposta do voto impresso fora derrotada no Congresso.
ATAQUE EM MASSA – Estudo da Fundação Getulio Vargas do Rio mostrou que, entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, pelo menos 394 mil postagens no Facebook criticaram as urnas eletrônicas, gerando 111 milhões de interações (curtidas, comentários ou compartilhamentos).
O número não considera as postagens de perfis pessoais. Entre as páginas que mais disseminaram conteúdo crítico às urnas estão as de políticos bolsonaristas como Carla Zambelli, Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro.
Nos Estados Unidos, o Facebook adota uma política de integridade eleitoral que adiciona um alerta rotulando “conteúdo que tenta deslegitimar o resultado das eleições ou discutir a legitimidade dos métodos de votação”. No Brasil, o Facebook não adotou essa política nas eleições de 2020 e não sabemos se adotará na campanha deste ano, que começa em agosto.
FAKE NEWS – O YouTube já segue uma política que impede publicações que afetem a integridade das eleições, como informações falsas sobre a data do pleito ou conteúdo induzindo os eleitores ao erro na hora de votar. Mas ainda não há nada a respeito da difusão de informações falsas sobre a confiabilidade das urnas — o coração da campanha bolsonarista de descrédito ao sistema eleitoral.
Talvez a pressão empurre YouTube e Facebook a melhorar suas políticas, mas, ainda que isso aconteça, poderá ser tarde demais. Como os eloquentes números do estudo da FGV mostram, a campanha já começou e, para parte do eleitorado, a semente da dúvida já está plantada.
Além das já muitas vezes respondidas alegações de fraude no passado, os bolsonaristas ainda estão produzindo novas dúvidas para tumultuar as eleições.
MAIS ARMAÇÕES – Eduardo Bolsonaro fez uma consulta ao TSE perguntando se a Justiça Eleitoral exigirá comprovante de vacinação para dar acesso às salas de votação. O objetivo é insinuar que o tribunal prepara medida para restringir o acesso ao voto dos bolsonaristas que não quiseram se imunizar.
Outra estratégia de Bolsonaro é envolver os militares na disputa em torno da confiabilidade das urnas. Em setembro do ano passado, o TSE anunciou uma comissão de transparência das eleições que, entre assentos para a sociedade civil e a academia, previa um para as Forças Armadas.
O general Heber Portela foi indicado pelo ministro da Defesa, Braga Netto, para compor a comissão e elaborou uma minuciosa lista com mais de 70 dúvidas técnicas sobre a segurança das urnas.
VULNERABILIDADE? – O que era para ser um esclarecimento técnico foi transformado em questionamento sobre a confiabilidade do sistema. Em entrevista ao ex-governador Anthony Garotinho numa rádio, Bolsonaro disse que as Forças Armadas levantaram “dezenas de dúvidas sobre o sistema” eleitoral. Com o vazamento das questões, o TSE optou por publicar todas as respostas aos questionamentos.
Não foi apenas Bolsonaro que tentou envolver os militares na querela. A Justiça Eleitoral também tentou usar os militares como fiadores da disputa ao indicar o general Fernando Azevedo e Silva como diretor-geral do TSE.
A ideia era que, se a organização logística das eleições fosse feita por um militar com o respeito da tropa, a suspeita de fraude seria difícil de emplacar.
DESCONTENTAMENTO – O general Azevedo, porém, anunciou na quarta-feira que não poderia mais assumir o cargo por motivos familiares e de saúde. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo apurou que o verdadeiro motivo da desistência de Azevedo foi o descontentamento com a postura de Bolsonaro, que estava mais uma vez fomentando nas Forças Armadas a desconfiança no sistema eleitoral.
Se olharmos para o conjunto desses desdobramentos, é fácil observar como vai se preparando a estratégia de Bolsonaro de alegar fraude nas eleições. Se ganhar, dirá que o fez a despeito dos votos subtraídos. Se perder, dirá que foi roubado e insuflará uma revolta.
É a mesma estratégia de Donald Trump, só que com o apoio de parte das Forças Armadas.