Publicado em 30 de setembro de 2021 por Tribuna da Internet
Felipe Frazão e Adriana Fernandes
Estadão
A disputa política pelo controle do Banco do Nordeste (BNB), a um ano das eleições de 2022, oculta um interesse do mercado financeiro pelo principal ativo da instituição, a carteira de microcrédito avaliada internamente em cerca de R$ 30 bilhões. O banco está no centro de uma crise desde que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, aliado do governo Jair Bolsonaro, pediu a demissão de toda a diretoria.
Costa Neto fez chegar ao Palácio do Planalto que seu novo indicado para presidir o banco é Ricardo Pinto Pinheiro, consultor do setor regulatório de energia e saneamento.
ALVO DOS BANQUEIROS – O objetivo da cúpula do PL é destituir Romildo Carneiro Rolim, servidor de carreira que ascendeu à presidência da instituição no governo Michel Temer. Ele já se amparou em diferentes apoios políticos para permanecer na cúpula do banco.
Rolim se opõe à ideia que lobistas do mercado financeiro tentam emplacar há anos: vender ao mercado privado a carteira de microcrédito no Nordeste, a mais bem sucedida do País com escala e referência nessa modalidade de crédito que não recebe atenção dos grandes bancos de varejo.
Rolim não era a primeira opção de Costa Neto. Em 2020, quando Bolsonaro cedeu o banco ao Centrão, quebrando promessa de campanha, o PL chegou a emplacar na presidência do BNB o nome de Alexandre Borges Cabral. Porém, Cabral foi demitido após o Estadão revelar que era suspeito de “gestão temerária” na Casa da Moeda, segundo o Tribunal de Contas da União. Ele teria deixado um prejuízo de R$ 2,2 bilhões. Rolim teve apoio de integrantes da equipe econômica para retornar, entre eles o do ministro Paulo Guedes.
CONTRATO COM PETISTAS – Segundo Costa Neto, Bolsonaro o cobrou por mensagem no WhatsApp, ao descobrir que a atual gestão mantinha um contrato de R$ 583 milhões, justamente no setor de atendimento ao microcrédito, com o Instituto Nordeste Cidadania (Inec), uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip). A entidade firmou parceria com o BNB em 2003, no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva e, para apoiadores do atual governo, abriga petistas e empodera politicamente adversários de Bolsonaro.
Esse foi o argumento principal endossado pelo chefe do PL. Em vídeo divulgado nas redes sociais, o presidente do PL, que costuma guardar discrição desde que foi condenado e preso no escândalo do mensalão, falou em tom de moralização e levantou suspeitas sobre o contrato vigente há 18 anos.
“Não podemos ter uma ONG contratada num banco da importância do Banco do Nordeste”, disse Costa Neto.
SEM SUSPEITAS – Diferentes fontes políticas e econômicas com experiência no BNB, afirmam, porém, que não há suspeitas concretas de irregularidades ou corrupção na execução do contrato. A parceria já teria passado por distintos escrutínios.
Sem suspeitas fundadas, parlamentares precificaram o suposto elo com o PT como o “bode na sala” para convencer Bolsonaro a promover a troca da diretoria. Isso abriria espaço para instalar no banco uma diretoria politicamente guiada a ser favorável e promover a cisão das operações de fomento do desenvolvimento regional, como administrador do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), do mercado de microfinanças, em que supera os concorrentes públicos e privados.
Primeiro, a nova diretoria promoveria uma licitação do microcrédito, que tem potencial eleitoral, e depois permitiria a venda para um banco privado.
VALORES BAIXOS – Por meio da operação, o BNB atende micro e pequenos empresários que não acessam créditos em quantias baixas em outras instituições financeiras e antes estariam restritas à agiotagem.
Políticos da bancada cearense afirmam que o programa “Crediamigo”, para áreas urbanas, é o mais lucrativo e que alcança vendedores ambulantes, tapioqueiros e bordadeiras. O valor médio dos empréstimos é de R$ 2,7 mil.
O programa “Agroamigo” tem como público-alvo o segmento rural, focado em agricultores familiares, e o valor médio dos financiamentos fica em R$ 5 mil. Segundo dados do Banco do Nordeste referentes a 2020, a carteira ativa dos programas de microfinanças somava 3,5 milhões de clientes e R$ 15 bilhões contratados.
TROCA EM SUSPENSO – Até agora, porém, o Ministério da Economia não tomou providências para destituir Rolim e outros integrantes da diretoria, sob os quais exercem influência política deputados como Wellington Roberto (PB), líder do PL na Câmara, e Junior Mano (CE).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, manteve inalterada a diretoria do Banco do Nordeste e não deu sinais de que pretende convocar reunião para mudar a composição.
Ele, no entanto, determinou que o Conselho de Administração do banco apure se há irregularidades no contrato com o Inec. A Controladoria-Geral da União também recebeu ofício do Ministério da Economia para acompanhar o caso.
PROGRAMA DA CAIXA – A ofensiva surgiu no momento em que a Caixa Econômica Federal tenta entrar nesse mercado com o lançamento de um programa de microcrédito com público voltado justamente para os beneficiários do auxílio emergencial. A meta é atingir 100 milhões de pessoas com o novo crédito. A intenção é aumentar a penetração do banco, sobretudo no Nordeste.
O auxílio está prestes a acabar e será substituído pelo novo programa Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Bolsonaro e os seus aliados do Centrão nunca esconderam a intenção de aumentar a penetração no Nordeste, reduto em que o ex-presidente Lula, principal adversário em 2022, tem maior força política.
Fontes ligadas ao banco avaliam que o Centrão quer também aumentar o poder dentro do banco na véspera das eleições de 2022 e agradar agentes financeiros.