Publicado em 27 de agosto de 2021 por Tribuna da Internet
Rosana Hessel
Correio Braziliense
A contagem regressiva para o governo encaminhar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2022 ao Congresso Nacional começou. O prazo termina no próximo dia 31, e tudo indica que o governo enviará aos parlamentares uma enorme peça de ficção, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, constantemente afirmar que apresentaria um Orçamento o mais realista possível.
Os problemas do Ploa de 2022 são muitos e, por conta disso, não haverá espaço para novas despesas do governo, que tenta emplacar a todo custo a principal bandeira da campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022, o Auxílio Brasil, mas não consegue fonte de recurso.
PRECATÓRIOS – O governo será obrigado a colocar no Orçamento a previsão de despesa de R$ 89,1 bilhões com precatórios (dívidas judiciais da União), porque a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite o parcelamento dessa despesa ainda não tem sequer um relator.
Portanto, não haverá espaço extra para novas despesas. A medida é considerada inconstitucional pela maioria dos especialistas. Eles alertam, ainda, que a PEC burla o teto de gastos e acaba com a regra de ouro, que proíbe o governo de emitir dívida pública para pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias, sem o aval do Congresso.
Mas os principais problemas do Orçamento começam pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que norteia a elaboração do Ploa. Os parâmetros da LDO, publicada ontem no Diário Oficial da União, estão desatualizados. Os dados não condizem com as projeções do mercado e, portanto, tornam as previsões de receita e de despesas fora da realidade.
SEM CONSISTÊNCIA – “O orçamento que será enviado ao Congresso será uma mera folha de papel. Não vai ter consistência alguma”, destacou o especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, economista do Senado Federal. Ele lembrou que cerca de 70% das despesas obrigatórias são indexadas ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que deverá encerrar o ano bem acima dos 4,27% previstos pelo governo, ou da última projeção do Ministério da Economia, de 6,2%.
Com base na estimativa de INPC, a LDO projeta o salário mínimo de 2022 em R$ 1.147. Mas, se for considerado um reajuste de 8% (segundo a previsão de mercado para o índice), o valor do piso salarial passaria para R$ 1.188. Para cada real adicional no salário mínimo, as despesas do governo aumentam R$ 350 milhões.
Logo, esses R$ 41 a mais no mínimo implicariam em um gasto adicional de R$ 14,3 bilhões, que precisará ser incluído em algum momento no Orçamento. Esse montante integra a lista das surpresas que devem pressionar o teto de gastos, cuja margem adicional já está encolhendo por conta da persistência da inflação neste segundo semestre.
INPC ACIMA – De acordo com a economista Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), apenas pelo fato de o INPC encerrar 2021 dois pontos percentuais acima da previsão de 6,2% do governo, a margem extra do teto estimada pelo governo deverá encolher R$ 16 bilhões, passando de R$ 30,4 bilhões para R$ 14,4 bilhões.
Logo, o governo não vai ter espaço para conceder o reajuste de 50% no Bolsa Família como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vinha prometendo, o que implicaria em um benefício perto de R$ 300, mas que custaria cerca de R$ 30 bilhões além da previsão inicial para o programa no ano que vem, em torno de R$ 35 bilhões, destacou Juliana Damasceno. “A cada mês que passa, esse espaço extra fica mais apertado. Os parâmetros da LDO estão defasados, e o governo ainda precisará incluir os precatórios nessa conta”, disse a pesquisadora do Ibre.
“As premissas adotadas na LDO são fantasiosas. Crescimento de 2,5% e IPCA de 3,5% para 2022, não há quem justifique. Selic média a 4,74% ao ano e dólar médio de R$ 5,15, também não”, resumiu o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Deve ter sido por causa de economistas como Paulo Guedes que foi inventada a expressão “cair na real”, porque ele parece viver em outro mundo. O então ministro Guido Mantega também tinha a mania de viver numa situação fantasiosa, na qual poderia manusear as contas públicas e alegar que estava apenas fazendo uma “contabilidade criativa”. Guedes é tão criativo quanto Mantega e também adora uma maquiagem fiscal, embora seja óbvio que qualquer economista logo percebe o engodo. (C.N.)