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segunda-feira, fevereiro 03, 2020

Na “geladeira”, porta-voz assiste ao esvaziamento dos seus poderes como interlocutor de Bolsonaro


Extinção do cargo foi descartada para evitar crises com ala militar
Naira Trindade
Gustavo Maia
O Globo
Um ano depois de entrar no governo de Jair Bolsonaro, o porta-voz da Presidência da República, general Otávio Santana do Rêgo Barros, está cada vez mais silencioso. Gradativamente, ele assiste ao esvaziamento dos seus poderes como interlocutor do presidente no Palácio do Planalto.
A mudança na estratégia de comunicação de Bolsonaro, que passou a dar declarações diárias a jornalistas na porta do Palácio do Alvorada, ajudou a sepultar os briefings antes praticamente diários do porta-voz no Planalto.
SAÍDA DESCARTADA – Rêgo Barros está “na geladeira”, mas a saída dele da função neste momento está “descartada”, definiu ao O Globo um dos ministros conselheiros de Bolsonaro. A portas fechadas, integrantes do governo já chegaram a conversar sobre uma possível extinção do cargo. Mas, para evitar crises com a ala militar, o assunto foi deixado de lado.
General da reserva, Rêgo Barros tem o respeito do presidente, apesar das inúmeras saias-justas que ele colocou Bolsonaro nos primeiros meses do governo. No gabinete do porta-voz, a informação oficial é de que o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, está “trabalhando em uma nova estratégia de comunicação” para absorver a equipe de Rêgo Barros, formada por cinco servidores.
Procurado, o ministro Ramos não comenta os novos planos. E, em meio à recente crise no núcleo duro do governo, eventuais mudanças no comando dos ministérios do Planalto também podem interferir nos planos futuros para o porta-voz.
MAIOR RELEVÂNCIA – A Secretaria de Comunicação (Secom) afirma, em nota, que o porta-voz “terá um papel ainda mais relevante, discutindo com a Secom a estratégia de comunicação do governo, definindo e orientando o fluxo de informações internas e a divulgação externa do governo”, sem mencionar quais serão as alterações. “Os briefings prosseguirão esclarecendo os posicionamentos do Presidente e de seu governo”.
Rêgo Barros é formado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), mas chegou ao posto com a experiência de ter chefiado a comunicação do Exército. Em junho, foi preterido da promoção para se tornar um general de quatro estrelas — o topo da carreira militar — e, no mês seguinte, passou à reserva com suas três estrelas.
LIVES – A ideia de criar as transmissões ao vivo pelo Facebook surgiu numa conversa sua com o presidente. Na primeira “live”, Bolsonaro aparece sentado entre o porta-voz e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno.
No Planalto, Rêgo Barros também comandou uma série de cafés da manhã com o presidente. De fevereiro a julho de 2019, foram ao menos sete, com jornalistas convidados de forma aleatória e com exclusão de alguns veículos de comunicação, métodos que geraram críticas da imprensa.
REPERCUSSÃO – Os encontros matinais tinham o objetivo de melhorar a imagem do presidente, mas frases mal colocadas acabavam repercutindo mal. Em um dos eventos, Bolsonaro afirmou não existir fome no Brasil, em outro colocou em xeque dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre desmatamento da Amazônia Legal. Organizados pelo porta-voz, os cafés da manhã também eram motivos de crises com o secretário de comunicação, Fábio Wajngarten.
Quando assumiu a comunicação, em abril, Fabio Wajngarten tentou controlar os eventos, mas era vetado por Rêgo Barros. Os cafés da manhã só chegaram ao fim em julho, após a captura de um áudio em que Bolsonaro referia-se aos nordestinos como “paraíbas”, sugeria que o governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, era o “pior” deles e dizia que Dino não deveria receber nada do governo. A frase fez com que o presidente precisasse se explicar publicamente.
COLETIVAS – Sem cafés da manhã, Bolsonaro intensificou as coletivas na porta do Palácio do Alvorada. Mas as versões oficiais do governo ainda eram transmitidas por Rêgo Barros. Sistematicamente, às segundas, terças e quartas-feiras, Rêgo Barros se reunia com Wajngarten e com o presidente antes de conversar com jornalistas.
Apesar de combinadas, vez ou outra as informações eram contraditórias. Em junho, quatro horas depois de o porta-voz dizer que não haveria revogação do decreto das armas, Bolsonaro anulou a legislação lançada pelo governo federal.
DESENCONTRO – Outro desencontro se repetiu em setembro, quando Bolsonaro defendeu a manutenção da emenda do teto de gastos um dia depois de Rêgo Barros anunciar que o governo deveria flexibilizar a medida porque se isso não fosse feito, nos próximos anos, a tendência seria “o governo ficar sem recursos para pagar despesas de manutenção da máquina pública”.
Em dezembro, os briefings começaram a ficar escassos. Em janeiro, apenas um foi registrado. Em 8 de janeiro, Rêgo Barros veio a público explicar a cena de Bolsonaro assistindo ao discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os ataques a bases norte-americanas no Iraque.
O porta-voz afirmou que Bolsonaro havia interpretado a fala de Trump como uma ação no sentido de evitar as escaladas da tensão entre os países. O presidente não esconde que gosta de controlar a narrativa pública de seu governo. Não à toa o cargo de secretário de imprensa está vago desde agosto, quando o terceiro ocupante do posto, Paulo Fona, foi demitido seis dias após sua nomeação.
REDES SOCIAIS – Sua estratégia de comunicação está mais pautada para as redes sociais, inovando na maneira de lidar com o que chama de “grande mídia”. No segundo semestre do ano passado, o livro “Medo: Trump na Casa Branca”, do jornalista Bob Woodward, estava sobre a mesa do gabinete do atual porta-voz.
O general Rêgo Barros passou a falar com empolgação do relato detalhado sobre a rotina do presidente americano Donald Trump e abriu a obra em uma página com fotos do primeiro porta-voz de mandatário, Sean Spicer, e de sua sucessora, Sarah Sanders. Ambos já haviam deixado o turbulento governo Trump. Agora, é Rêgo Barros que se equilibra na difícil função de ser a voz pública de um presidente que prefere ser a própria voz de seu governo.

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