Carlos Chagas
Nada como um ano eleitoral para o Congresso enganar o cidadão comum. Às vésperas de eleições, deputados e senadores procuram dar a impressão de estar esvaziando o saco de maldades inflado nos anos anteriores contra a população. Tudo fita. Meros expedientes para confundir os trouxas.
Tome-se a votação, na Câmara, esta madrugada, do reajuste de 7.7% para os aposentados que recebem acima do salário mínimo. Festa nas galerias e queixos empinados, no plenário, todos celebrando haver o Legislativo feito justiça para com os velhinhos desprezados pelo poder público.
Mentira pura. Sabem os deputados que o presidente Lula vetará o projeto, se ele vier a ser, como será, aprovado pelo Senado. Mas ficaram todos felizes, só faltando irem de mãos dadas para a praia, como no genial filme de Jules Dassin, “Nunca aos Domingos”, estrelado pela fantástica Melina Mercuri.
De tabela, Suas Excelências aprovaram, também, a extinção do fator previdenciário, criação abominável de Fernando Henrique Cardoso para em poucos anos nivelar por baixo todos os aposentados, condenados a receber apenas o salário mínimo. O presidente Lula também vetará a proposta, fiado em que sua popularidade não será arranhada.
No total, o governo alega que essas duas decisões acarretarão prejuízo de 15 bilhões de reais ao ano para os cofres da Previdência Social. Os aposentados que se danem, apesar da euforia com que saudaram a enganação.
A única saída para Dilma
Dilma Rousseff só tem uma saída: ignorar entendimentos políticos com o PMDB, o PP e sucedâneos, deixando de colher desilusões nos encontros recentes com os líderes partidários. Deveria botar o pé na estrada, claro que aquela rodovia de várias pistas, asfaltada pelo presidente Lula. Precisaria passar a percorrer o país em tempo integral, importando menos se faz propaganda eleitoral antecipada. Ficar ouvindo ressalvas e subterfúgios de Michel Temer e de Francisco Dornelles não leva a lugar nenhum. Esses dois presidentes de partido, assim como montes de dirigentes, só entendem a linguagem do favoritismo. Estivesse a candidata liderando as pesquisas e todos estariam postados à sua porta, de chapéu na mão. Foi assim quando, dois meses atrás, os números indicaram forte ascensão de Dilma, resultando até mesmo num sentimento de arrogância do PT, que entendeu poder prescindir de apoios paralelos.
É claro que para ampliar suas possibilidades a ex-chefe da Casa Civil precisa do Lula. Deveria inverter a equação: em vez de ficar recebendo lições do primeiro-companheiro sobre como comportar-se em entrevistas, ou que terninhos vestir nos palanques, Dilma precisaria olhar no olho dele e deixar claro: “Ou você mergulha de cabeça na campanha ou passará à História como tendo perdido a própria sucessão”.
O PMDB deixou para 12 de junho a palavra final sobre o engajamento com a candidata? Que fique na beira da estrada, até mesmo sem saber se Michel Temer será aceito como companheiro de chapa, na hipótese de as pesquisas voltarem a favorecê-la. O PP tergiversa, com Dornelles acentuando que se pressionarem muito, poderá registrar-se um resultado adverso na convenção do partido? Que curta o dilema hamletiano, vendo esmaecer a hipótese de integrar o novo governo.
Em suma, ou Dilma passa da defesa ao ataque ou acabará enrolada nas espertezas partidárias.
Ou desmente, com provas, ou cai fora
Enquanto sucedem-se sutilezas parlamentares em torno das eleições presidenciais, algo de muito grave acaba de ser denunciado: a Polícia Federal investiga ligações perigosas entre o Secretário Nacional de Justiça, Tuma Júnior, e o chefe da máfia chinesa, hipercontrabandista Paulo Li, por sinal hoje na prisão.
A acusação exposta no jornal “Estado de S.Paulo” não deixa margem para debates esotéricos.
Tuma Júnior mantinha ou não relações com o criminoso, a ponto de permitir-lhe usar um cartão de visitas com os brasões da República, onde se lê “assessor especial da Secretaria Nacional de Justiça”? Colocou ou não o indigitado chinês ao lado do presidente Lula, na solenidade de assinatura da lei que anistiou estrangeiros em situação irregular, no Brasil? Falavam-se com freqüência ao telefone, contratando fornecimento de aparelhos eletrônicos entrados clandestinamente no Brasil? Permitiu que o amigo agenciasse vistos de permanência entre nós, para estrangeiros sem documentação correta?
Tuma Júnior declarou não saber das atividades ilegais de Paulo Li, apesar dele se encontrar em prisão temporária. Pode ser, mas diante de tais denúncias, ou comprova sua inocência ou deve pedir exoneração ao ministro da Justiça, a quem se subordina.
Não é Bom-Bril
No Rio Grande do Sul, Tarso Genro perde para José Fogaça, nas pesquisas. Em Santa Catarina, Ideli Salvatti pensa até em desistir. No Paraná, nem há candidato. Em São Paulo, Aloísio Mercadante sofre a premonição de mais uma derrota. Em Minas, falta espaço para Fernando Pimentel. No Rio, procura-se alguém para o sacrifício.
Vale parar por aqui, mas a verdade é que o PT arrisca-se não só a perder a corrida para os governos desses estados, mas a ver diminuídas suas bancadas na Câmara e no Senado. Serão fortes os reflexos no próximo Congresso, qualquer que seja o resultado da eleição presidencial: ou um governo dependendo da vontade dos outros, na hipótese da vitória de Dilma, ou uma oposição debilitada, caso vença Serra. A solução seria o presidente Lula entrar para valer nessas sucessões estaduais, como na de Dilma Rousseff, mas qualquer dia desses ele acabará desabafando que não é o Bom-Bril, aquela palha de aço de mil e uma utilidades.
Fonte: Tribuna da Imprensa