Ministro da Justiça admite que arapongas da agência podem ter feito a escuta clandestina no Supremo
BRASÍLIA - Vinte e quatro horas depois da crise que rondou o Planalto, o ministro da Justiça, Tarso Genro, admitiu ontem que a escuta telefônica do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pode ter sido feita ilegalmente por arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no rastro da Operação Satiagraha.
Tarso defendeu a Polícia Federal do escândalo que resultou no afastamento temporário do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, e seus subordinados, mas foi duro em relação à agência: disse que a Abin "não poderá sonegar informação" no inquérito aberto para investigar o grampo, sob pena de ficar com a pecha da espionagem.
Ao reconhecer a possibilidade de os grampos nos telefones de Mendes serem reflexo da Satiagraha, que em julho investigou o banqueiro Daniel Dantas, preso duas vezes, Tarso disse: "É uma linha de investigação não excluída". Ao responder a uma pergunta sobre a possível conexão entre os fatos, ele acrescentou: "Pode ser alguém que tenha ou teve vínculos com a Abin e que não necessariamente tenha agido a mando da direção."
No Palácio do Planalto, auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva suspeitam que Mendes tenha sido alvo de espionagem por mandar soltar Dantas duas vezes. Segundo esse raciocínio, agentes da Abin ligados a Lacerda e ao delegado Protógenes Queiroz, que comandou a Satiagraha e acabou afastado do caso, estariam desconfiados da ligação entre Dantas e o presidente do STF. Na época, a Abin entrou na operação à revelia do diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa.
Tarso reafirmou que o inquérito da Satiagraha teve problemas, por causa da "espetacularização" das prisões, mas não quis responsabilizar Lacerda - definido por ele como "um homem sério" pelas interceptações telefônicas. "Queremos reorganizar as relações da Abin com a PF para que sejam totalmente formais e explicitem o nível de colaboração. A Abin, por exemplo, não pode fazer interceptação nem investigações", insistiu o ministro da Justiça.
Em conversas com assessores, Lacerda rejeitou a suspeição levantada sobre a Abin pelos ministros da Justiça e o da Defesa, Nelson Jobim. Para Lacerda, "a investigação central sobre o grampo deve ser feita no Senado e na empresa que faz a assistência técnica dos serviços de telefonia da Casa".
Ele chegou a dizer que um grampo no Supremo, feito por um agente da Abin e a serviço do delegado Protógenes, "seria uma insanidade, um caso de internação". E acrescentou: "Protógenes é tecnicamente qualificado e, críticas à parte por eventuais deficiências, é um delegado qualificado, que jamais cometeria tamanho amadorismo, tamanha barbeiragem".
Sobre o inquérito da PF, Lacerda disse estar mais preocupado em provar sua inocência, do que em voltar para o cargo. O diretor-geral afastado do comando da agência, considera-se vítima de uma pressão que juntou o ministro Jobim, os senadores, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, "e outras pessoas contrariadas".
Sempre defendendo a PF de participação no monitoramento de Mendes, que teve um dos diálogos com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) revelados pela revista "Veja", o ministro Tarso Genro cobrou a colaboração da Abin no inquérito que investigará o grampo, sob o comando do delegado William Marcel Murad. "Num inquérito da PF não pode a Abin sonegar informação, documental ou não, se não a agência estaria protegendo alguém que cometeu delito gravíssimo, que é ouvir o presidente do Supremo", observou Tarso.
Logo depois, porém, o ministro adotou tom mais cauteloso e disse partir do "princípio da boa fé" para se referir às ações da Abin. "Eu acho que a Abin vai colaborar (com a Polícia Federal) porque quer tirar de cima da sua testa a pecha de que tenha feito gravação do presidente do STF", emendou
Traidor
Na avaliação de Tarso, o inquérito da PF não durará menos de 90 dias, em razão da complexidade das investigações. Questionado se não poderia ser surpreendido com a revelação de algum policial federal envolvido na bisbilhotagem das conversas de Mendes, o ministro foi enfático na resposta. "Se tiver, é um traidor da corporação", destacou. "Na Polícia Federal, organizada sob minha jurisdição, não se faz escuta clandestina ilegal e, se alguém faz ou fez, é para servir outro senhor e será severamente punido."
Para o ministro, a decisão de Lula de afastar Lacerda foi "madura e acertada" para conter o que ele chamou de "instabilidade" entre os poderes. "A questão é de responsabilidade política. Embora o chefe da instituição não compactue com ato ilegal, alguém tem de responder perante a sociedade", argumentou. "Mas, se o inquérito chegar à conclusão de que o grampo foi um ato individual e clandestino, mesmo se feito por um agente da Abin a responsabilidade do Dr. Lacerda estará anulada."
A idéia de Tarso é enviar ao Lula o esboço de um projeto de lei para fechar o cerco à arapongagem. A proposta, encomendada pelo presidente, aumenta a responsabilização administrativa e penal do agente público que faz escutas ilegais e estabelece penas para o servidor que vaza informações reservadas e para o co-autor da espionagem. Além disso, agrava a punição para qualquer pessoa que invadir a intimidade de outra.
"A PF não pode basear a construção das provas exclusivamente em escutas. Isso exacerba o grampismo", afirmou o ministro da Justiça. "Está havendo, no Brasil, a banalização do grampo legal e essa é uma preocupação de todos nós. Hoje não existe mais vida indevassável."
Fonte: Tribuna da Imprensa
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