Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Todo mundo era grampeado nos tempos bicudos do regime militar, quando o extinto SNI transformou-se num monstro pelas palavras de seu próprio criador, o general Golbery do Couto e Silva. Perguntaram ao então presidente da Light, Antonio Galloti, como era possível a escuta clandestina de telefones, e ele respondeu com simplicidade que bastava um poste e um técnico com mínimos conhecimentos no setor, é claro que armado de um gravador.
O tempo passou, o regime parece democrático, o SNI foi extinto, virou Abin, mas o avanço tecnológico da Humanidade foi tão fantástico que hoje se dispensam o técnico, o poste e o gravador nele instalado. De bem longe a parafernália eletrônica transmite diretamente para um computador tudo o que dona Mariquinhas e dona Maricota conversam pelas manhãs. Elas e mais o país inteiro, incluídos nele desde o presidente do Supremo Tribunal Federal até o presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado e até a torcida do Flamengo.
Quem grampeia? Todo mundo, legal e ilegalmente. No primeiro caso, a Polícia Federal, com ordem judicial. Mas também as polícias civis e todo o aparato de segurança existente. Sem ordem judicial é pior, porque além das instituições acima referidas, sem esquecer a Abin, a atividade é aberta a mil grupos privados e até os cidadãos comuns com um mínimo de experiência no ramo. Muita gente ganha dinheiro, empresas são criadas com essa finalidade. A antes chamada espionagem industrial virou comercial, familiar, religiosa, esportiva, artística e tudo o mais. Quando se reúnem os dois chifres da testa do dragão, o estatal e o privado, então, fica pior, porque não há limite técnico para a separação. Virou tudo uma tremenda casa da Mãe Joana.
Fazer o quê? A solução pode vir do passado. Getúlio Vargas não falava ao telefone. Mandava ajudantes-de-ordens telefonar, mas apenas para marcar reuniões e audiências. Tancredo Neves, décadas depois, recomendava que pelo telefone não se acertassem sequer encontros pessoais, exceção a lugares, datas e horas trocadas.
Seria um retrocesso dos diabos se não falássemos senão abobrinhas ao telefone, mas ninguém se iluda se imagina como segurança trocar a invenção de Grahan Bell pelos e-mails de computador. Já estão sendo devassados e mais ficarão, com a inviável aposentadoria dos aparelhos fixos e dos celulares. É o preço da modernidade.
A raposa no galinheiro
A Polícia Federal vai investigar os grampos, por ordem do presidente da República. Quem estiver implicado na operação, seja da Abin, seja da própria Polícia Federal, e penduricalhos, deve ser imediatamente demitido. No final das contas, três ou quatro infelizes perderão o emprego, mas responsáveis acima deles não haverá.
Adiantaria o Lula ter mandado demitir os diretores gerais da Polícia Federal e da Abin? Certamente não, porque eles também afirmaram, como o chefe maior, que não sabiam de nada.
Terá o presidente Lula sido "chamado às falas" pelo ministro Gilmar Mendes? Certamente não. O presidente do Supremo, apesar de vaidoso, é um homem educado. Cobrou providências, mas, como também é inteligente, sabia da inocuidade de sua indignação. Esta, aliás, limitada pela singeleza de sua conversa com o senador Demóstenes Torres, objeto da presente crise por haver vazado para uma revista semanal.
Irritações iguais são constantes, vem de muito tempo. Certo dia, no governo Costa e Silva, deslocado para Porto Alegre, o então líder do governo no Senado e presidente da Arena, Daniel Krieger, interpelou publicamente o chefe do SNI, general Garrastazu Médici. Os jornalistas ouviram o desabafo do saudoso senador, que protestou contra o grampo em seus telefones e terminou gritando: "O máximo que vocês poderão ouvir serão minhas conversas com algumas amigas, porque não sou homossexual!"
A palavra por ele usada foi outra, de quatro letras, começando por "p" e terminando com "o", com um "u" e um "t" no meio. O presidente Costa e Silva interferiu, pediu calma, esfriou os ânimos, mas, por conta daquela explosão, Krieger viu-se condenado ao ostracismo no governo seguinte, precisamente de Garrastazu Médici. Não adiantaria nada se Gilmar Mendes tivesse explodido diante de Tarso Genro, Paulo Lacerda e outros.
Chegaram ao limite
Vale abrir espaço para outro tipo de criminosos, além dos grampeadores. Semana passada o País assistiu pela televisão, chocado, duas imagens que fazem o que pensar. Na primeira, um animal preso confessou que havia estuprado e assassinado, no Rio, pelo menos cinco mulheres. Até indicou o local onde a polícia encontraria o cadáver de sua última vítima.
Dois dias depois, em Araguarina, no Tocantins, vimos nas telinhas outro animal que pouco antes havia atropelado e morto um carroceiro de mais de oitenta anos de idade. Estava embriagado, confessou o crime, vangloriando-se, e até botou a língua e agrediu a equipe de televisão que registrava a ocorrência.
Juntem-se esses dois exemplos com milhares de outros envolvendo chacinas, morte de crianças pelos próprios pais, tortura e tantos inimagináveis atos de barbárie. Fazer o quê? Dar a esses monstros o benefício da lei, liberdade e condições para repetirem o horror? Ou alimentá-los nas prisões?
Fosse feito um plebiscito e a imensa maioria se pronunciaria pela pena de morte, até rápida, como acontece na China. E se alguns ingênuos registrarem o fato de uma ditadura estar em vigência naquele país, que voltem as atenções para os Estados Unidos.
A natureza das coisas
Acompanhado dos ministros Edison Lobão, das Minas e Energia, e Dilma Rousseff, da Casa Civil, mais o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, o presidente Lula assistiu à extração da primeira gota de petróleo do chamado pré-sal. Foi a 100 quilômetros do litoral do Espírito Santo, numa plataforma submarina.
Alertou o presidente para ninguém no governo começar a gastar por conta, porque muito tempo e muitos recursos passarão até que essa monumental riqueza comece a dar dividendo. Por enquanto, só investimento.
O singular na discussão travada no governo sobre quem dirigirá as operações é que a Petrobras já começou. Aliás, foi ela a descobrir as novas jazidas. Enquanto os ministros discutem a criação de ma nova empresa estatal encarregada de tudo, para evitar o gigantismo da Petrobras, as profundezas vão sendo perfuradas e os equipamentos, encomendados e comprados. E as inaugurações, festejadas. Por quem? Pela Petrobras...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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