
O Caso Banco Master já não é apenas um colapso financeiro de grandes proporções. Ele se converteu em um teste de estresse do Estado brasileiro, no ponto exato em que finanças, investigação criminal, controle parlamentar e autoridade judicial se chocam. Quando uma instituição liquidada sob a sombra de um rombo estimado em R$ 41 bilhões passa a ser investigada sob sigilo rigoroso, com restrições ao acesso de uma CPMI, o debate deixa de ser técnico: torna-se republicano.
A decisão do ministro Dias Toffoli, proferida na sexta-feira (12/12/2025), de retirar da CPMI do INSS o acesso direto a dados considerados centrais para a apuração não extingue formalmente a investigação. Mas altera sua substância. CPI existe para investigar com autonomia política e capacidade de produzir fatos, confrontar versões, reconstruir fluxos e exigir responsabilidade. Quando esse acesso é bloqueado — ainda que sob justificativa jurídica — o efeito prático é claro: enfraquece-se o controle democrático e amplia-se a percepção de que o Parlamento pode ser mantido à distância justamente quando deveria exercer fiscalização plena.
O cenário se torna mais delicado com a revelação de um contrato de até R$ 129 milhões entre o Banco Master e o escritório da esposa de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Mesmo que não haja, até aqui, declaração formal de ilegalidade, a magnitude do valor e o contexto institucional tornam a questão incontornável: a aparência de imparcialidade é tão relevante quanto a legalidade formal. Em matéria de Justiça, o país não se sustenta apenas em decisões tecnicamente defensáveis; sustenta-se na crença de que essas decisões não são contaminadas por proximidades econômicas, redes de influência ou circuitos de proteção.
Em democracias maduras, magistrados não apenas precisam ser independentes — precisam parecer independentes. A proximidade econômica, direta ou indireta, entre investigados e o entorno familiar de autoridades judiciais, ainda que não tipifique crime por si só, corrói confiança pública. E confiança é o cimento invisível do sistema: sem ela, qualquer estrutura jurídica vira um arranjo formal, incapaz de pacificar conflitos ou produzir legitimidade.
Há, ainda, um traço institucional que agrava o quadro: a concentração do caso no Supremo, somada ao sigilo ampliado e à restrição ao Parlamento, alimenta a percepção — já difundida na sociedade — de um circuito fechado de poder, pouco permeável ao escrutínio externo. Essa percepção pode ser injusta em casos específicos, mas é, por si, corrosiva. Nenhuma Corte constitucional se fortalece afastando-se da transparência quando o interesse público é evidente, sobretudo em episódios de impacto sistêmico.
E o impacto não é abstrato. O Banco Master quebrou. Empresas foram atingidas. Trabalhadores correm risco de perder empregos. O Fundo Garantidor de Créditos foi acionado em escala histórica. Quando um evento desse porte explode, o custo não fica restrito ao mundo bancário: ele deságua no varejo, no crédito, na confiança de investidores e na previsibilidade do ambiente econômico. Por isso, a sociedade não pede espetáculo, nem condenações sumárias. O que ela pede — com razão — é clareza, publicidade compatível e responsabilidade institucional.
O Caso Banco Master concentra, num mesmo enredo, fatores que isoladamente já exigiriam máxima exposição ao interesse público: rombo bilionário, suspeitas criminais, intervenção judicial em investigação parlamentar e vínculos contratuais de grande valor no entorno do STF. Somados, esses elementos aceleram a erosão da confiança e ampliam a sensação de que há dois países: um submetido a regras duras e visíveis; outro, protegido por portas fechadas.
Há um limite moral — e não apenas jurídico — para o uso do sigilo em temas que mobilizam risco sistêmico e suspeitas que atingem o coração do poder. Sigilo pode proteger uma investigação; mas, quando se transforma em rotina hermética, passa a proteger o poder contra o escrutínio, o oposto do que a República exige. A tradição republicana impõe distância: distância entre juiz e parte, entre autoridade e patrocínio, entre função pública e interesse privado. A legalidade formal é o piso; o teto deveria ser decoro público e transparência ativa.
A saída institucional não é o linchamento, nem o teatro. É o método: publicidade compatível com o interesse público, trilha clara de decisões, prestação de contas, auditorias independentes quando cabíveis e um roteiro de responsabilização sem castas. Se há regularidade, que a luz do dia confirme. Se há irregularidade, que o Estado prove e puna. O que o Brasil não pode normalizar é a suspeita permanente como modo de funcionamento — porque, nesse estágio, a Justiça perde seu capital mais valioso: credibilidade.
A República não se sustenta no silêncio. Sustenta-se na luz.
*Carlos Augusto, jornalista, cientista social e editor do Jornal Grande Bahia.