
Motta determinou a expulsão dos jornalistas do Plenário
Pedro do Coutto
A cena parece saída de um momento político que o Brasil insiste em acreditar ter superado: imprensa retirada à força do Plenário da Câmara dos Deputados, parlamentares sendo conduzidos coercitivamente para fora da Mesa Diretora, confusão transmitida por celulares e câmeras improvisadas, porque as oficiais haviam sido desligadas.
Foi nesse cenário que o presidente da Câmara, Hugo Motta, cometeu um erro político de proporções grandes demais para ser ignorado — e, talvez, graves o suficiente para marcar seu nome na história recente do Legislativo por razões que ele certamente preferiria evitar.
SEM DIÁLOGO – Em vez de administrar a crise com transparência, diálogo e firmeza institucional — como se espera de quem ocupa um dos cargos mais relevantes da República — Motta escolheu o caminho mais torto possível: expulsar jornalistas, restringir acesso ao Plenário e tentar controlar a circulação de informações.
Num país em que a liberdade de imprensa é cláusula pétrea democrática e instrumento fundamental para o escrutínio público, a tentativa de fechar cortinas sobre acontecimentos de grande repercussão equivale não só a erro político, mas a atentado simbólico contra a própria institucionalidade que ele deveria proteger.
E, como sempre ocorre quando se tenta barrar a imprensa em um ambiente público, o efeito foi o oposto do pretendido. Repórteres, mesmo do lado de fora, documentaram tudo. As imagens circularam em minutos pelas principais redações do país — como Folha de S.Paulo, O Globo, Estadão e emissoras de TV — e viralizaram nas redes sociais.
PARA BAIXO DO TAPETE – O que era um episódio já grave ganhou dimensões muito maiores justamente pela tentativa de varrer a poeira para baixo do tapete. Em menos de 24 horas, veículos de imprensa produziram análises, cronologias, entrevistas com especialistas em direito público e repercussões com entidades como a ABI, a Fenaj e organizações internacionais de liberdade de imprensa, todas condenando a decisão da presidência da Câmara.
A imprensa, de fato, registrou tudo: desde a retirada forçada do deputado Glauber Braga da cadeira da Presidência, em meio a uma disputa regimental acalorada, até a truculência com que profissionais de comunicação foram impedidos de exercer seu trabalho. Glauber não é, longe disso, o único parlamentar a protagonizar atitudes extremadas no plenário — a história recente está repleta de cenas de tumulto, invasões da Mesa, empurrões e quebra de decoro. Mas a resposta de Hugo Motta levou a crise a um patamar superior: ele não apenas reagiu a um parlamentar, mas atacou o direito público de saber.
TRANSPARÊNCIA – Um presidente da Câmara não tem o privilégio de pensar apenas politicamente; ele precisa operar como guardião do processo democrático. Sua função não é blindar escândalos, mas assegurar que a transparência prevaleça mesmo — e especialmente — em momentos incômodos. Ao agir como agiu, Motta demonstrou fraqueza política, despreparo institucional e profundo desconhecimento sobre o papel da imprensa em regimes democráticos.
Há, também, um cálculo político malfeito: ao tentar suprimir a cobertura jornalística, Motta transformou um episódio de disputa interna — potencialmente administrável — em uma crise de maior amplitude, envolvendo questionamentos sobre liberdade de imprensa, abuso de autoridade e uso indevido da estrutura da Casa para fins políticos.
Entidades como Transparência Internacional Brasil e especialistas em ciência política ressaltaram que episódios dessa natureza criam precedentes perigosos: se a imprensa é barrada hoje, o que impede que parlamentares críticos ou cidadãos sejam barrados amanhã? A erosão democrática começa sempre nos pequenos desvios, nunca nos grandes.
CONFIANÇA EM BAIXA – O Brasil vive um momento de sensibilidade institucional. A confiança das pessoas no Congresso já é baixa — pesquisas do Datafolha e do Ipec vêm registrando reiteradamente queda na percepção de credibilidade do Legislativo. Num ambiente assim, qualquer ação que seja percebida como tentativa de cerceamento da informação age como combustível num incêndio institucional. Deveria ser evidente que não se apaga fogo com gasolina, mas a presidência da Câmara parece ter escolhido esse caminho.
Se há algo a aprender desse episódio, é que a força de uma instituição não se mede pela capacidade de esconder problemas, mas sim pela disposição de enfrentá-los à luz do dia. Transparência não é ornamento democrático; é seu mecanismo vital. E, quando o presidente de um dos poderes tenta miná-la, o país inteiro perde.
Hugo Motta ainda pode tentar reconstruir a ponte que queimou — seja por meio de pedidos de desculpa, revisão de procedimentos, diálogo com entidades jornalísticas ou adoção de protocolos mais robustos de acesso à informação. Mas o prejuízo político já está consumado. Para muitos, sua decisão ficará registrada como um dos episódios mais infelizes da recente história do Parlamento. Na democracia, não existe escuridão benignamente administrada. Toda vez que um político tenta apagar as luzes, é a sociedade que precisa acendê-las de novo.