
O tema é tabu no Supremo Tribunal Federal
Malu Gaspar
O Globo
Ao defender a criação de um Código de Conduta para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de tribunais superiores, o presidente do STF, Edson Fachin, tem indicado a disposição de enfrentar uma questão delicada para seus colegas de Corte: a divulgação dos cachês recebidos pelos magistrados ao participar de palestras, seminários e fóruns jurídicos no Brasil e no exterior.
“Não é proibir [as palestras e seminários], mas dar transparência”, diz um ministro que acompanha de perto as discussões nos bastidores. “Haverá resistência, mas na surdina. Duvido que alguém se exponha. O Judiciário cobra transparência de todos, e não cobra de si?”
TABU – O tema é tabu no STF, onde ministros costumam ignorar o princípio da transparência pública, não divulgam suas agendas de compromissos nem quem recebem em seus gabinetes – e se recusam a esclarecer o pagamento de cachês e despesas com hospedagem e viagens em fóruns jurídicos no Brasil e no exterior.
Um dos exemplos é o do IDP, instituto ligado ao ministro Gilmar Mendes, organiza todos os anos o “Gilmarpalooza”, em Lisboa, reunindo empresários, políticos e ministros na capital portuguesa numa programação oficial marcada por painéis de discussão – e uma agenda paralela de eventos marcados por lobby e jantares em terraços de hotéis longe dos olhos da opinião pública.
O modelo que tem sido usado como referência pela equipe de Fachin no enfrentamento da questão é o código do Tribunal Constitucional da Alemanha, que tem 16 artigos divididos em quatro seções – e é considerado pela presidência do STF “bem curto e objetivo”.
REMUNERAÇÃO – Em uma delas, sobre atuação não judicial dos magistrados, o texto alemão prevê que os juízes podem aceitar a remuneração por palestras, “somente na medida em que isso não prejudique a reputação do tribunal e não suscite dúvidas quanto à independência, imparcialidade, neutralidade e integridade de seus membros”.
O também diz que os juízes devem divulgar qualquer rendimento recebido para participar dessas agendas – e permite que o organizador dos eventos faça a restituição “de despesas razoáveis de viagem, hospedagem e alimentação”, mas não fixa limites.
TRANSPARÊNCIA – O tribunal alemão, equivalente ao Supremo brasileiro, divulga em seu site o quanto os juízes receberam por palestras e participações em eventos – os dados referentes a 2024, por exemplo, mostram que apenas a então vice-presidente, Doris König, recebeu remuneração dessa natureza nesse período, no valor de 10 mil euros.
“Um Código de Conduta como esse, que aumenta a transparência e deixa claro as regras, é voltado a fortalecer a autoridade do tribunal. É um mecanismo de proteção”, disse ao blog o professor de direito constitucional Oscar Vilhena, da FGV Direito São Paulo.
“Numa República não pode ter uma zona de imunidade. A conduta dos ministros do STF é de interesse público. Gosto do código alemão, porque ele é bastante conciso e qualquer cidadão é capaz de entender.”
ESTUDO – Membro do conselho da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Vilhena entregou em setembro deste ano ao ministro Fachin um estudo intitulado “A responsabilidade pela última palavra”, com 15 recomendações voltadas para o aprimoramento do funcionamento da Corte, alvo de um número cada vez mais frequentes de pedidos de impeachment.
No tópico “sugestões para o fortalecimento da reputação pública do tribunal”, os pesquisadores defendem a criação de um Código de Conduta com cláusulas que regulem não só “as obrigações de ministros e ministras de declararem remuneração ou benefícios por participação em atividades externas ao tribunal”, mas também as manifestações públicas e a participação deles em eventos públicos ou privados, “que possam prejudicar a reputação do tribunal”, na mesma linha do manual adotado pelo tribunal alemão.
Um dos poucos ministros do STF com o hábito de divulgar diariamente a sua agenda de compromissos no gabinete, o ministro não é entusiasta de fóruns patrocinados por empresários e já disse que “comedimento e compostura são deveres éticos” e que “abdicar dos limites é um convite para pular no abismo institucional”.
AGENDA – A discussão de um Código de Ética faz parte de uma agenda de ética e combate à corrupção defendida por Fachin, ex-relator da Lava-Jato no STF. Ao assumir a presidência do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em setembro, o ministro criou um órgão para “identificar e prevenir riscos de corrupção, conflitos de interesse, captura institucional e outras ameaças à independência e à imparcialidade da Justiça”.
O observatório é formado por Fachin, conselheiros do próprio CNJ e representantes da sociedade civil e outros quatro membros – mas não tem o poder de apurar a atuação do STF, que não está sob a alçada do conselho.
Segundo a equipe da coluna apurou, Fachin cogitou defender a criação de um Código de Conduta em seu discurso de posse em setembro deste ano, mas prevaleceu no seu entorno a avaliação de era melhor evitar criar constrangimentos – e aparar primeiro as arestas internamente para reduzir as resistências ao avanço da questão.
RECADOS – Mesmo assim, o ministro deu seus recados – e destacou que “juízes educam também por seus exemplos”. “Servidores públicos que somos, temos direito a um padrão remuneratório digno, que ao mesmo tempo assegure a independência funcional e não perpetue privilégios, nem deixe diluir seu senso de propósito. Transparência é a chave quanto às modalidades de remuneração. Nosso respeito intransigente à dignidade da carreira, irá na mesma medida conter abusos”, afirmou o presidente do STF.
Os últimos exemplos que vêm do STF, no entanto, não são nada animadores. O ministro Dias Toffoli reforçou o sigilo das investigações do Banco Master após viajar num jatinho com o advogado de um dos alvos da operação da Polícia Federal sobre um esquema de fraudes que teria chegado a R$ 12 bilhões.
Já o ministro Gilmar Mendes suspendeu dispositivos da Lei do Impeachment, em vigor desde 1950, e decidiu por conta própria que só a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode pedir a cassação de ministros do Supremo. Gilmar e Toffoli estiveram no ano passado no I Fórum Jurídico Brasil de Ideias, em Londres, que contou com patrocínio do enrolado Banco Master – e até hoje não esclareceram quem bancou suas despesas.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como se vê, Fachin vai tentar limpar sua barra antes de se aposentar. Motivo: foi dele a ideia maluca de “descondenar” Lula em 2021, sob argumento de “incompetência territorial absoluta”, uma situação jurídica que não existe em nenhum país democrático do mundo. Em tradução simultânea, vai ser difícil Fachin limpar a sujeirada nauseabunda que criou. (C.N.)