Publicado em 6 de dezembro de 2025 por Tribuna da Internet

Coordenadora diz que GLOs realizadas no Rio oram um fracasso
Luana Patriolino
Correio Braziliense
A antropóloga Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que a crise no Rio de Janeiro é, acima de tudo, humanitária. Ela critica medidas como aumento de pena para integrantes de facções e a intenção de equiparar crime organizado com terrorismo. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é o caminho para enfrentar a violência armada no Rio de Janeiro?
É preciso um completo redirecionamento das políticas de segurança pública para que elas passem a atuar com inteligência e com respeito ao direito à vida das pessoas. Esse modelo de atuação centrado em operações policiais de incursão armada é o que já se faz há quatro décadas — e já se provou não apenas ineficiente como algo que contribui para a escalada da violência armada no Rio de Janeiro.
Por que esse método é tão perigoso?
O único método de combate ao crime, usado no Rio de Janeiro, é realizar incursões armadas nesses territórios que se encontram sob domínio de grupos armados. No entanto, quanto mais violentas são essas operações, maior é o estímulo para que esses grupos armados ofereçam maior resistência à atuação da polícia. Então, temos uma situação de conflitos, que vem se escalando há décadas. Essa operação foi uma clara demonstração de força do estado, em que há uma desproporção das mortes, ou seja, há uma superioridade bélica do estado em relação a esses grupos.
Isso mostra também a exposição dos profissionais das forças de segurança…
Quatro policiais mortos. Isso mostra um descaso do ponto de vista das autoridades públicas com a vida de seus próprios agentes, que foram colocados em risco em uma operação em que já se sabia que engendraria confronto. Mas quatro policiais mortos para 117 pessoas mortas pela polícia é uma razão de um policial morto para cada 29 pessoas mortas pela polícia. É um claro indício de abuso da força e uma clara evidência de que a gente não está falando com grupos que desafiam o poder bélico do estado de forma alguma. Então, se eles se perpetuam dessa forma, é porque não há o empenho em desmantelamento dessas redes criminais, em regulação dos mercados que constituem as bases econômicas desse grupo, em investigar de verdade os mercados de armas que fornecem armamento para esses grupos. Ou seja, não há um empenho sério em promover a segurança pública no Rio de Janeiro e, sim, uma aposta em repetir e em intensificar as políticas que já se provaram desastrosas ao longo das últimas décadas.
Há quem defenda a decretação da GLO em situações assim. Esse é um caminho eficiente?
Todas as GLOs realizadas no Rio de Janeiro foram um fracasso. As Forças Armadas não têm atribuição de atuar na segurança pública, muito menos em ambientes urbanos. São forças treinadas para atuar na guerra. Não temos, no Rio de Janeiro, uma crise de segurança pública, temos uma crise humanitária, que foi promovida pelo governo por autorizar o massacre. Agora, não há uma crise de segurança pública, não houve uma escalada, um aumento dos indicadores de violência que justificasse uma ação dessa monta. A experiência de violência armada no Rio é marcada pela segregação socioespacial. As pessoas que vivem nos bairros mais abastados estão submetidas apenas à criminalidade comum, como em qualquer grande cidade do mundo. No entanto, a população que vive sob domínio desses grupos armados é quem tem uma experiência de viver no fogo cruzado entre a violência dos grupos armados e a do estado.
O governador do Rio de Janeiro afirmou que a operação foi um sucesso, mesmo com a quantidade histórica de mortos. Como rebater essa declaração?
Essas vidas que foram ceifadas durante o massacre são insubstituíveis do ponto de vista dos seus familiares, das pessoas que amam esses jovens que morreram. No entanto, do ponto de vista do Comando Vermelho, todas essas pessoas são absolutamente substituíveis. Há décadas são feitas operações policiais, a maioria delas ocorre em áreas de Comando Vermelho, a maioria das chacinas em operações policiais ocorre em áreas de Comando Vermelho, as megachacinas que aconteceram durante o governo Cláudio Castro foram todas em áreas de Comando Vermelho, e mesmo assim, o que a gente observa é que esse grupo continua expandindo seus territórios de atuação. No então, a população é muito mal-informada. Há uma mobilização do medo da violência por parte de autoridades públicas mal-intencionadas, que se utilizam da sensação de insegurança para prometer soluções fáceis para problemas difíceis. E acabam propagando a ideia de que prender e matar pode funcionar. O Brasil prende cada vez mais, a polícia mata cada vez mais, e ninguém vê o Brasil se tornando um país mais seguro.
As soluções, até agora, são rasas?
Há um bloqueio, uma tentativa de empobrecer o debate sobre o combate à criminalidade, além de limitá-lo a isso de a polícia poder ou não matar. Isso é um debate empobrecido, quando a gente deveria estar discutindo estratégias sérias que visassem, de fato, o desmantelamento do crime organizado que se articula em rede.
Qual é a maior dificuldade de enfrentar a criminalidade no Rio de Janeiro?
Historicamente, constituiu-se esse fenômeno do controle territorial armado, que não é característico da maioria das grandes cidades brasileiras. Isso é um fenômeno muito particular no Rio de Janeiro. Há territórios submetidos ao domínio de grupos armados. Isso é uma consequência de políticas de segurança pública que, há muito tempo, se recusou a fazer patrulhamento de rotina e a atender as ocorrências das favelas e dos territórios periféricos. Mesmo antes de existirem facções, a polícia já não atendia ocorrências policiais em favelas, e só ia a esses locais, antes de existirem as operações, nas chamadas batidas policiais — em que as forças policiais adotavam práticas arbitrárias e violentas contra a população local, mesmo antes de existirem esses grupos armados. Ou seja, esses territórios foram relegados ao controle exercido por grupos armados. E quando a polícia escolhe se manter ausente desses territórios e ingressar apenas em incursões cada vez mais aparatadas por fuzis, helicópteros e veículos blindados, isso é uma postura que incita o aumento da resistência desses grupos de atuação policial e escala a violência observada.
Aumentar penas contra integrantes de facções é eficiente?
Propostas de aumentar a pena para certos crimes são medidas populistas, que nada interferem, não surtem nenhum efeito dissuasivo da prática de crimes. Elas contribuem para aumentar o tempo de prisão, o tempo que as pessoas ficam encarceradas, aumentando, assim, a população carcerária e, consequentemente, o poder das facções, já que elas controlam os presídios. Mas elas não impactam a ação dos criminosos. Os jovens que ingressam nessas redes criminosas não estão contando com a impunidade, eles sabem que serão presos ou mortos. A prisão, no Brasil, oferece péssimas condições de encarceramento, sabe-se que é um massacre, sabe-se que a morte é um destino inevitável para as pessoas que ingressam nas fileiras do crime. Mesmo assim, esses jovens acabam ingressando nessas organizações, não por um cálculo racional de que vai dar certo, e, sim, por uma completa falta de oportunidade, de amparo por parte de políticas sociais e de políticas de assistência do Estado; por desigualdades estruturais que empurram os jovens para essas organizações. Não é pena mais alta que vai dissuadi-los.
Como avalia o projeto de lei que equiparava facções a terrorismo?
Isso é um disparate. O Comando Vermelho é um grupo armado que atua em mercados ilegais, que utiliza da violência, da força, para controlar a venda de drogas e de outros mercados e, assim, obter lucro, ou seja, não há nenhuma motivação política relacionada à atuação do Comando Vermelho.
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