Após negociação entre Centrão e família Bolsonaro, Câmara aprova projeto que beneficia golpistas

Motta levou a proposta à votação durante a madrugada
Camila Turtelli,
Luísa Marzullo,
Victoria Azevedo,
Lauriberto Pompeu,
Gabriel Sabóia
Mariana Muniz
O Globo
Dois dias depois de o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmar que tinha “um preço” para retirar sua candidatura ao Planalto, um acordo entre o Centrão e a direita bolsonarista possibilitou a aprovação do projeto que diminui a pena que será cumprida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), levou a proposta à votação na madrugada de quarta-feira. O texto foi aprovado por 291 a 148. A definição por levar o tema adiante foi precedida por reuniões entre dirigentes de partidos do Centrão e comunicada por Motta aos líderes ainda pela manhã
AVAL – O projeto também ganhou o aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que prometeu votá-lo ainda neste ano. Relator do projeto, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) afirmou que a proposta permitirá que o ex-presidente fique preso em regime fechado por menos tempo. Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão. Com o texto, reduziria a pena total para um patamar próximo de 21 anos.
A oposição concordou em não apresentar emendas ao texto em plenário para tentar aprovar uma anistia ampla, como ameaçava fazer inicialmente. “Não apresentaremos emendas, fizemos um acordo com o presidente da Câmara, Hugo Motta. Nós ainda não desistimos da anistia ampla e irrestrita, mas Jair Bolsonaro nos autorizou a avançar na redução das penas. Foi o acordo possível, Bolsonaro aceitou pagar a sua parte da pena em nome do Natal em casa dessas pessoas”, disse o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ).
Apesar das negociações com possível impacto eleitoral, Motta afirmou que não havia “nenhum pedido” para pautar a matéria. “(O projeto) não vai tratar de anistia, mas da possibilidade de redução de penas para os condenados pelos atos de 8 de janeiro. Natural chegar ao fim do ano com a posição da Casa. O plenário é soberano. Essa decisão foi tomada por vontade de presidente, que tem poder de pauta. Não foi a pedido de ninguém. A matéria está madura”, disse Motta.
REUNIÃO – Antes da votação, o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), e os presidentes do União, Antônio Rueda, e do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), tiveram uma reunião para debater o cenário político.
Na véspera, Rueda, Ciro, Flávio Bolsonaro e outras lideranças do partido do ex-presidente se reuniram para tratar do anúncio da candidatura presidencial do senador. De acordo com Flávio, os dirigentes partidários colocaram dúvidas sobre a capacidade de “tração” da sua candidatura ao Palácio do Planalto em 2026. O nome preferido desses dirigentes para concorrer ao Planalto é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A base do governo foi pega de surpresa com a decisão de Motta de votar o projeto. O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), chegou a dizer que Motta não tinha mais condições de liderar: “Vossa Excelência está perdendo as condições de seguir na presidência dessa Casa”.
CELERIDADE – Outros governistas recorreram ao ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) para tentar sensibilizar Motta a adiar a votação. No Senado, Alcolumbre prometeu dar celeridade: “Nós vamos deliberar esse projeto assim que a Câmara deliberar. Este ano ainda”, declarou o presidente do Senado.
Apesar disso, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), se manifestou contra votar o projeto neste ano. Ele disse que as próximas sessões devem ser remotas e que o projeto deveria ser discutido de forma presencial.
SINALIZAÇÃO – Já Paulinho disse que telefonou para o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que tem sido uma das pessoas que Alcolumbre consulta sobre o tema. De acordo com o relator na Câmara, tanto Alcolumbre quanto Pacheco sinalizaram de forma favorável.
A votação na Câmara estava prevista para o início da noite, mas um tumulto em plenário envolvendo o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), ameaçado de cassação, atrasou a análise. Glauber foi retirado à força, pela polícia legislativa, da cadeira de presidente da sessão, de onde prometia obstruir os trabalhos.
“ATROPELO” – Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam que a votação do projeto não representa um “atropelo” sobre prerrogativas da Corte porque a recalibragem de penas ainda depende da atuação individual dos magistrados.
Integrantes do Supremo avaliam que, embora o texto possa alterar prazos e critérios, a responsabilidade pela execução e revisão das penas permanece com o Judiciário, inclusive para figuras como o ex-presidente. Liderado por Paulinho e com o apoio inicial de alguns ministros do Supremo, o texto busca reduzir as penas sem conceder perdão total, em uma tentativa de construir um texto que seja juridicamente viável e politicamente equilibrado.
Por isso, a leitura é que o projeto de lei pode funcionar como uma válvula de escape, reduzindo a pressão por anistia irrestrita. Caso seja aprovada também pelo Senado, a proposta irá em seguida para sanção ou veto do presidente Lula.