A lógica torta do clã Bolsonaro e a barganha eleitoral de Flávio

Flávio desistirá da candidatura mediante uma boa oferta
Dora Kramer
Folha
Se a insensatez e a afobação fossem fatores primordiais na escala do eleitorado para a escolha de governantes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) poderia ser considerado eleito presidente.
Menos de 48 horas depois de dizer que disputaria o Palácio do Planalto com o aval do pai, o senador confessou que sua candidatura tem preço e ainda detectou erros graves na própria ascendência ao exibir como selo de boa qualidade a promessa de ser “um Bolsonaro diferente”.
REPAGINADO – Muito franco, acenou com a figura de um Bolsonaro “mais centrado, que conhece a política e quer realmente fazer a pacificação no país”. Qualificou o genitor como pessoa fora do eixo, incompetente na política e falso pacificador.
Flávio não esperou a jogada esquentar para assumir que desistiu da empreitada mediante uma boa oferta. Está à venda, portanto. E cobra alto: o Congresso deu por não dito o que foi dito pelo Supremo Tribunal Federal nas notícias de Jair Bolsonaro e comparações por tentativa de golpe de Estado.
“RECADO” – O irmão Eduardo achou que era um “xeque-mate”, “um baita recado” para quem quer distância do clã na direita e cercanias. Deve pensar que haverá uma porta para aceitar as ordens e rapidamente se formar um grande movimento em prol da anistia que, assim, terá sua aprovação garantida. Em matéria de delírio, uma família já produziu mais criativos.
A realidade até agora não se mostrou benevolente. A esquerda ironizou alegremente, o centro calou, o centrão ficou entre o silêncio e a exclusão, o PL deu aval formal, Ronaldo Caiado (União) e Romeu Zema (Novo) receberam Flávio como apenas mais um na disputa pela Presidência, Tarcísio de Freitas (Republicanos) —”o melhor do tempo”— adiou a ocorrência e Gilberto Kassab (PSD) fechou-se em copas.
Todos no aguardo do que vai dar o lance de chantagem explícita, sem que o autor tenha algo de substantivo para oferecer além de candidatura desprovida de lastro e para cuja retirada não é certeza de que alguém esteja disposto a pagar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A postura dos Bolsonaros revela um grau de oportunismo político que beira o descolamento completo da realidade. Transformar uma candidatura presidencial em moeda de troca, como fez Flávio Bolsonaro, expõe não apenas a fragilidade do projeto familiar, mas a total ausência de compromisso com qualquer horizonte público que não seja o da autopreservação. Ao admitir que desistiria da disputa por meio de uma “boa oferta”, o senador escancara uma lógica de atuação em que princípios são negociáveis, convicções são aplicadas e a política se reduz a chantagens explícitas. Pior: ao tentar se vender como “um Bolsonaro diferente”, Flávio desqualifica o próprio pai, reconhecendo o que o país já sabe — a incapacidade de Jair Bolsonaro de liderança com equilíbrio, responsabilidade ou competência. Trata-se de um clã que, ao invés de construir alternativas, insiste em transformar crises pessoais em moeda política, reiterando a irresponsabilidade que marcou sua trajetória. (MC)