Publicado em 20 de fevereiro de 2022 por Tribuna da Internet
João Gabriel de Lima
Estadão
Em 1996, o poeta Bruno Tolentino provocou uma polêmica na área da cultura. Em entrevista a Geraldo Mayrink, um dos maiores jornalistas culturais daquele tempo, criticou o que lhe parecia um dado nocivo no País: músicos populares – notadamente Caetano Veloso – dando opiniões sobre o Brasil, quando na França eram filósofos da academia que ocupavam este espaço.
Mayrink rebateu: “Mas existe algum filósofo brasileiro que mereça mais espaço na mídia?” Tolentino citou um nome: Olavo de Carvalho. De volta à redação, Mayrink confessou aos colegas que não sabia quem era.
COISAS DE OLAVO… – Lembrei do episódio quando Olavo de Carvalho morreu, em janeiro deste ano. Procurei no YouTube, plataforma que consagrou Olavo, vídeos anteriores à entrevista de 1996.
Achei um em que Olavo participa de um debate sobre o zodíaco. Ele defendeu, na ocasião, que a influência dos astros sobre os seres humanos tinha sido comprovada cientificamente. Uma pesquisa francesa achara uma correlação entre os signos e as profissões escolhidas pelos pesquisados.
Também lembrei do episódio quando, na semana passada, a revista americana The New Yorker publicou um perfil extenso de Caetano Veloso. O artigo celebra a importância cultural do artista, com sua síntese entre cultura pop, raízes brasileiras e versos de canção da melhor qualidade. A grandeza de Caetano já estava estabelecida em 1996 – ano em que Olavo de Carvalho apenas começava a fazer barulho com seu “O Imbecil Coletivo”.
INDENIZAÇÃO – Há cinco anos, Caetano Veloso processou Olavo de Carvalho por calúnias nas redes sociais. Ganhou o processo e o direito a uma indenização de quase R$ 3 milhões. As postagens de Olavo sobre Caetano, de tão estapafúrdias ou chulas, não merecem menção.
Tolentino não viveu para ver seu sonho virar realidade. Olavo hoje é mais discutido no País que Caetano. O secretário da Cultura, Mario Frias, até propôs que se erguesse um busto do astrólogo. Frias, recentemente, promoveu uma reforma na Lei Rouanet que não corrige seus problemas – e cria outros. Inspirou-se claramente nos ensinamentos de Olavo, que defendia que se destruísse o segmento da cultura não alinhado com o governo.
Diz muito sobre o País em tempos recentes que Olavo de Carvalho seja mais discutido que Caetano Veloso. Foi preciso que a revista The New Yorker nos lembrasse quem é realmente relevante para a cultura brasileira.