Gastos excessivos e supérfluos continuam ocorrendo em todos os Poderes, como sempre aconteceram e o caso Mario Frias é só mais um exemplo
Por Ricardo Corrêa (foto)
Integrantes e aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) enfatizam, com frequência, que “a mamata acabou”. É um slogan publicitário informal para tentar diferenciar o governo atual dos que comandaram o país anteriormente, mas que nada tem de verdade. A mamata não acabou. Nem no Executivo nem nos demais Poderes. O episódio do secretário de Cultura Mario Frias, que gastou uma fortuna em uma viagem inútil a Nova York, vem para nos lembrar disso mais uma vez. Infelizmente, não é uma exceção. O dinheiro do contribuinte continua sendo mal gasto e, sem pressão e cobrança, isso nunca mudará.
No caso de Mario Frias, o contribuinte brasileiro descobriu que pagou R$ 89 mil em uma viagem, no final do ano passado, em que o ponto alto foi o encontro do integrante do governo e de um assessor com um ex-lutador de jiu jitsu aliado do presidente. Apesar do argumento de que havia interesse por se tratar da discussão de um projeto cultural, é inegável que tal banalidade poderia ser tratada em uma ligação por vídeo de WhatsApp. Com o país na pindaíba, o Orçamento arrochado e as pessoas comendo osso, gastar tanto dinheiro para nada é um acinte.
Fosse exceção, bastaria devolver o dinheiro e estava tudo certo. Mas não é. O gasto com viagens no governo federal subiu R$ 200 milhões de 2020 para 2021. No ano passado, foram R$ 733,34 milhões em mais de 300 deslocamentos nacionais e internacionais de integrantes do Executivo. E, para piorar, o governo agora liberou o uso de classe executiva para diversos integrantes em viagens por aí. Eu, que nunca usei classe executiva, embora faça parte da parcela privilegiada da população que pode ao menos andar de avião, não consigo entender por qual motivo o cidadão não pode sentar na classe econômica. O brasileiro que anda em pé no ônibus lotado para ir trabalhar todo dia, certamente, entende menos ainda.
A gastança está por toda parte. O uso de cartão corporativo pela presidência, tão justamente criticado nas gestões anteriores, bate recordes. Com Jair Bolsonaro, quase R$ 30 milhões torrados em três anos, o que representa 18,8% a mais do que Dilma Rousseff e Michel Temer gastaram nos quatro anos do governo anterior. Percebam: ainda falta um ano de governo e os gastos estão quase 20% acima. Nem a inflação nas alturas justificaria tamanho aumento.
O presidente costuma justificar com gastos do Palácio da Alvorada dos quais não tem nem conhecimento. Mas considerando que sua viagem de férias custou R$ 2,3 milhões no ano passado e que a desse ano, ainda sem gastos revelados, contou com lancha, jet ski e passeio no parque temático Beto Carrero World, não há dúvida de que há muito item supérfluo que o cidadão não deveria estar bancando.
Isso sem falar nas mordomias e gastos esdrúxulos nos ministérios, como quando a Defesa empenhou R$ 535 mil do dinheiro do combate à pandemia para comprar picanha e filé mignon, entre outros itens de luxo. Comportamento que se repete no Judiciário e nos Legislativos por todo o país, como vimos recentemente na Câmara dos Distrito Federal.
Esse comportamento perdulário está impregnado nas cabeças de nossas autoridades. Exemplificado pelo caso de 25 delas, com seus cônjuges, terem gastado R$ 500 mil em recursos públicos para participar de um evento do ministro Gilmar Mendes em Portugal no ano passado. Ou na ideia do ministro da Justiça de que tudo bem gastar R$ 81 mil em medalhas que chegam a custar R$ 400 a unidade para fazer homenagens oficiais. Ou ainda ao se olhar os carros alugados pelo gabinete dos deputados. O de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, por exemplo, locou Jeep Compass, Fusion e Corolla blindados, por exemplo. Ele também não é uma exceção.
Repetindo: a mamata não acabou. Não começou agora, não está adstrita apenas ao Executivo. Está por toda parte. Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), gastou, no ano passado, R$ 1,6 milhão com voos de jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) e outros gastos em viagens. Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, alcançou R$ 2 milhões com esses deslocamentos. Arthur Lira, presidente da Câmara, chegou aos R$ 3 milhões. Foi o campeão, com mais de 100 voos.
Esses gastos questionáveis se somam a episódios de vantagens de outra ordem, como a filha do presidente estudando em Colégio Militar sem processo seletivo, ou a cidade em que o irmão dele é chefe de gabinete ganhando verbas milionárias.
Tais comportamentos só mudarão com muita pressão da sociedade e com um papel inegável da imprensa de fiscalizar, cobrar e publicizar esses abusos. Quantos episódios desses você já não viu que o dinheiro é devolvido ou uma licitação é cancelada após a denúncia horrorizar a sociedade. Já aconteceu inúmeras vezes. Eis aí uma razão pelas quais os políticos, geralmente, querem demonizar a imprensa e colocarem-se como mitos inquestionáveis. O cidadão que cai nessa e alimenta essa estratégia de endeusar políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, apenas ajudar a abrir a própria carteira para continuar bancando as extravagâncias de quem deveria zelar pelo bom uso das verbas arrecadadas por impostos. Nunca é tarde, porém, para começar a mudar.
O Tempo