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quarta-feira, fevereiro 02, 2022

À espera do inesperado




Por Merval Pereira (foto)

Tudo parece se encaminhar para uma vitória do ex-presidente Lula na eleição presidencial de outubro, a não ser que o inesperado faça uma surpresa, como cantava Johnny Alf. Nem tão inesperada assim seria uma desistência de Bolsonaro, prevendo a derrota certa e sem chance de tornar-se, como Trump nos Estados Unidos de Biden, a liderança contra o PT sem foro privilegiado que o proteja. Eleito senador, Bolsonaro poderia liderar a oposição. Derrotado, pode ir para a cadeia. Sua saída do páreo mudaria a cena eleitoral.

Lula está fazendo tudo certo, inclusive contendo sua turma mais radical que, enebriada pelo clima de já ganhou, começou a anunciar medidas que não combinam com o que Lula anuncia que está planejando. Pretende, segundo diz, fazer um governo mais amplo que o PT, assim como ele é maior que o partido que criou.

Os petistas da velha guarda, como José Dirceu, Dilma Rousseff, Guido Mantega, Gleisi Hoffmann, José Genoino e Franklin Martins, andaram discorrendo sobre planos polêmicos como interferir no currículo das escolas militares, alteração nos critérios de promoção de oficiais superiores, controle social da mídia, retorno da política econômica criativa, mudança da reforma trabalhista, fim do teto de gastos, e assim por diante.

Claramente, a esquerda está se precipitando, dando como certa vitória, e, Lula já entendeu, está assustando a classe média. Ele, que lançou a proposta de mudar a reforma trabalhista e que escolheu Guido Mantega para escrever um texto sobre proposta econômica de um eventual terceiro governo, deu uma freada de arrumação e desdisse o que dissera. Mandou parar a movimentação por uma CPI contra Sergio Moro, disse que faria apenas adaptações à reforma trabalhista e, sobretudo, vem bancando Geraldo Alckmin como vice ideal de uma chapa para governar, não para ganhar, que para isso parece não necessitar de ajuda, com os adversários que tem.

Pela primeira vez em muito tempo, discute-se um programa comum a diversas forças que poderão compor o eventual governo petista. O difícil é acreditar que tudo isso seja verdade, embora, a seu favor, Lula tenha o precedente do primeiro governo, quando surpreendeu a todos com o convite a Henrique Meirelles para presidir o Banco Central, e a continuidade do programa econômico tucano. O fato é que é mais fácil acreditar num governo Lula equilibrado ao centro do que numa mudança de Bolsonaro.

O ex-presidente quer fazer mais do que um bom governo, dizem interlocutores, quer sair como um estadista, qualificação que perdeu devido aos escândalos de corrupção que dominaram seus governos. Não adianta querer dizer que foi absolvido das acusações que o levaram para a cadeia, porque não foi. Arquivar processos por perigo de prescrição não inocenta ninguém. E a campanha presidencial se encarregará de trazer de volta todas as situações em que petistas e partidos do Centrão se envolveram, tanto no mensalão quanto no petrolão.

Como não é possível fazer uma autocrítica, pois ela seria admissão de culpa, esse rabo preso continuará a atrapalhar a tentativa de reescrever a história. Ninguém, entre os adoradores de Lula, pode admitir que as empreiteiras, e não apenas a Odebrecht, mas sobretudo ela, quebraram porque se meteram em grossos trambiques, inclusive internacionais. A Justiça de vários países condenou a empreiteira brasileira pelos delitos, governantes e líderes latino-americanos caíram devido ao mesmo esquema, comandado pelo PT na região, mas tudo isso é esquecido.

O governo de Bolsonaro é tão desastroso e pernicioso ao país que se torna palatável qualquer candidato que possa derrotá-lo. Se a terceira via não conseguir se organizar, como tudo indica, Bolsonaro irá para o segundo turno perder para Lula. Mesmo porque, não há candidato na oposição que empolgue o eleitorado. Assim como Bolsonaro levou os votos dos antipetistas em 2018 porque nenhum outro candidato conseguiu se mostrar mais eficaz na tarefa de derrotar o PT, agora Lula pode levar os votos dos que não querem Bolsonaro de jeito nenhum. A não ser que Bolsonaro saia do páreo.

O Globo

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