Publicado em 2 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet
J.R. Guzzo
Estadão
O Brasil encerrou o ano de 2021 com uma vergonha estampada no meio da testa: pela primeira vez, desde o regime militar, e num caso único em qualquer nação democrática do mundo, há um preso político trancado numa cela de presídio neste país.
Em nome das “instituições democráticas”, e agindo como um porão de polícia secreta, o Supremo Tribunal Federal mantém preso há mais de quatro meses, sem direito de defesa e sem processo legal, um cidadão que não cometeu nenhum crime para o qual a lei brasileira prevê prisão. Está cumprindo pena sem ter sido processado, julgado e muito menos condenado.
OFENSAS AO SUPREMO – O ex-deputado Roberto Jefferson está preso na penitenciária de Bangu porque dirigiu ofensas aos ministros do STF. Insulto não é nenhum crime que permita a autoridade pública jogar um cidadão na cadeia.
No máximo, é delito de injúria, no qual o autor é processado em liberdade; caso condenado, jamais cumpre pena de prisão, ainda mais se é réu primário.
Mas Jefferson não está respondendo a nenhum processo legal na Justiça – foi preso por ordem pessoal de um ministro do STF, e vai ficar na prisão por quanto tempo o ministro quiser, sem que seus advogados possam recorrer a nada ou a ninguém. Isso se chama prisão política. Só acontece em ditadura.
AT0 ILEGAL – A prisão do ex-deputado é, como tantos outros, um ato puramente ilegal do STF. A desculpa utilizada pelo ministro Alexandre de Moraes – que neste caso consegue o prodígio de agir, ao mesmo tempo, como delegado de polícia, carcereiro, promotor e juiz – é que Jefferson é uma “ameaça à democracia”.
Como assim? Por acaso ele está comandando algum grupo terrorista? Está armazenando armas para dar um golpe de Estado, ou treinando combatentes para atos de violência? É claro que não, mas e daí?
Moraes acha que ele é uma “ameaça à democracia”, e isso, no seu entender, permite à autoridade ignorar a lei e eliminar os direitos individuais do acusado.
PERIGO REAL – Tecnicamente, o ex-deputado está em “prisão preventiva” – medida que se aplica a criminosos que são um perigo real e imediato para a segurança dos demais cidadãos, ou que vão cometer crimes outra vez. É um disparate em estado puro, mas Moraes decretou que a prisão de Jefferson é “necessária e imprescindível” – o que consegue ofender, ao mesmo tempo, a lógica e a gramática. É onde estamos.
A mídia, as classes intelectuais, os defensores dos direitos humanos e o restante do “Brasil democrático” não dizem uma sílaba sobre nada disso.
Como Jefferson é um homem de direita, acham que ele não tem direito à proteção da lei. Talvez esteja aí, no fundo, a pior vergonha.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em sua argumentação primorosa e irrespondível, Guzzo deixou de citar um argumento fortíssimo, que tirou da cadeia criminosos políticos como Paulo Maluf, José Genoino e Jorge Picciani. Todos sabem que o ex-deputado Roberto Jefferson é um velho doente, prendê-lo significa uma covardia. Mas Genoino era um falso doente, que não tomava remédios contra pressão alta e dizia estar morrendo. Paulo Maluf, idem, alegava estar com câncer, mas continua vivo até hoje. Desse grupo, o único que estava mesmo doente e morreu foi Picciani. Quanto a Jefferson, tem saúde precária e vive sendo internado. Se morrer na cadeia, o ministro Moraes deveria pagar indenização à família. (C.N.)