Com panca de caubói, ele transfigurou-se numa usina de mentiras e insultos
Por Sérgio Augusto (foto)
Os anticomunistas mais fanáticos e perigosos costumam ser aqueles que já militaram do outro lado, não porque íntimos das entranhas da baleia mas porque raramente se conformam com ter sido “enganados” pelos prosélitos da antiga crença. Passionais e agressivos, apelidei-os, faz tempo, de “cornos ideológicos”, tendo em mente cornudos antológicos como Carlos Lacerda, que foi um inflamado integrante da Juventude Comunista antes de se transformar no mais incendiário anticomunista do País.
Tudo no Brasil se deteriorou tanto nos últimos anos que o Lacerda que nos coube ter neste início de milênio foi o dublê de professor, “filósofo” e astrólogo Olavo de Carvalho. Se acreditasse em bruxarias, juraria que o guru do bolsonarismo acabou vítima de um canjerê coletivo. Sua morte, no início da semana, foi saudada nas redes sociais até por quem considera a empatia um dever de todos para com todos, sem exceção daqueles que a desqualificam e hostilizam.
Só o vi uma vez, de longe, na missa de sétimo dia de Paulo Francis, em fevereiro de 1997, mesmo ano em que, com outros escribas, partilhamos a seção de ensaios da revista Bravo!. Ainda nos tangenciamos como prefaciadores da reedição dos romances de Aldous Huxley.
As duas vezes em que nos falamos, por telefone, foi para colher impressões e lembranças de minha convivência com Otto Maria Carpeaux. Ele preparava uma coletânea de ensaios de Carpeaux para a Topbooks, que resultou, aliás, num belo trabalho editorial. Aí veio o novo século e nunca mais nos cruzamos.
Ainda bem. Pois seria constrangedor ter de lidar com o monstro ressentido que Olavo pôs na praça e foi lapidando. Olavo não era “polêmico”, era picareta. Sua magnum opus O Imbecil Coletivo, é um subproduto do Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, do jornalista Carlos Alberto Montaner, guzano conspirador exilado na Espanha, que por algum tempo teve livre trânsito na imprensa daqui.
Para Gregório Duvivier, o escatológico panfletário da nossa extrema direita “não conseguiu ter razão um dia sequer”. Olavão foi “o catalisador do que de pior já se pensou e projetou para o Brasil”, lascou Paulo Roberto Pires no site da revista 451.
Tabagista militante, negacionista com ascendente em terraplanismo e fixação anal, o embusteiro com pança de caubói e caçador transfigurou-se numa usina de mentiras, insultos e idiotices (a pandemia não existe, vacinas matam, a Pepsi é fabricada com fetos abortados etc), o que explica por que o governo, rompendo seu macabro silêncio sobre milhares de outras mortes por covid, decretou luto oficial em sua homenagem. Prevaleceu a gratidão.
O Estado de São Paulo