02 de janeiro de 2022 | 09:07
Segundo maior colégio eleitoral de Alagoas, a cidade de Arapiraca deu um salto como destino de emendas do relator entre 2020 e 2021. Em 2020, a prefeitura recebeu R$ 1,9 milhão neste tipo de emenda, número que saltou para R$ 69,9 milhões até novembro de 2021.
De um ano para o outro, mudou o ocupante da cadeira de prefeito da cidade e a importância do papel que este terá na sucessão em Alagoas em 2022.
No comando da cidade desde janeiro de 2021, Luciano Barbosa (MDB) se tornou uma espécie de noiva cortejada pelos dois principais clãs políticos do estado liderados pelo senador Renan Calheiros (MDB) e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP).
Vice-governador de Alagoas na chapa liderada pelo governador Renan Filho em 2014 e 2018, Barbosa surpreendeu o meio político alagoano em 2020 ao romper com o governador e renunciar ao cargo para concorrer à Prefeitura de Arapiraca —cidade onde já havia sido prefeito de 2005 e 2012.
Eleito para o comando da maior cidade do interior de Alagoas, com cerca de 215 mil habitantes, virou peça-chave da sucessão de 2022.
“Luciano Barbosa mudou todo o xadrez político de Alagoas quando se elegeu prefeito de Arapiraca. É um movimento que acaba com os planos dos Calheiros de fazer o sucessor”, afirma o deputado estadual Davi Maia (DEM), da bancada de oposição a Renan Filho.
Com o cacife político em alta, Barbosa se reaproximou do governador Renan Filho ao longo de 2021 e, ao mesmo tempo, estreitou pontes com um antigo adversário local —o deputado federal Arthur Lira.
A aproximação não foi por acaso. Desde que assumiu o comando da Câmara dos Deputados, Lira tornou-se homem-forte na definição do destino das chamadas emendas do relator, dispositivo usado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados para privilegiar aliados políticos e ampliar a base de apoio.
O mecanismo é questionado pela falta de transparência: não há uma base de dados pública com a lista de deputados e senadores que indicaram o destino das emendas nesta modalidade, que em 2021 atingiram a cifra de R$ 16,8 bilhões.
A eleição de Lira para o comando da Câmara dos Deputados impulsionou o volume de recursos destinados a Alagoas. Em 2020, foram empenhados R$ 285 milhões para o estado em emendas de relator e R$ 449 milhões em 2021 —número que deve ter crescido até o fim do ano.
Arapiraca liderou os repasses e recebeu mais que o dobro do valor destinado a Maceió, a capital alagoana que tem uma população quatro vezes maior que Arapiraca, mas é governada pelo prefeito João Henrique Caldas (PSB), que corre em raia própria em oposição aos Calheiros e aos Lira.
Dos R$ 69 milhões destinados em emendas do relator para Arapiraca, 90% são recursos repassados pela Codevasf, órgão federal ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional cuja superintendência em Alagoas é comandada por Joãozinho Pereira, primo de Arthur Lira.
A assessoria de Arthur Lira diz que “todos os recursos de emendas são indicados pelos deputados da bancada alagoana, com indicação de deputados de várias legendas, inclusive de oposição”. Deputados de oposição a Bolsonaro, contudo, dizem não ter influência no destino das emendas.
A Codevasf informa que “encaminhamentos relacionados à responsabilidade por indicações de recursos destinados à Codevasf são externos” ao órgão.
Os recursos repassados pela Codevasf foram 100% destinados à pavimentação de vias com asfalto ou com paralelepípedos. A maior parte foi destinada aos bairros Verdes Campos, Guaribas e São Luís.
Um dos contratos no valor de R$ 2,3 milhões foi destinado a pavimentar uma estrada de terra de 6 km que liga o bairro Canafístula ao povoado Cangandu, que fica na zona rural da cidade. A Folha percorreu o trecho na primeira semana de dezembro, e as obras estavam paradas.
“Só fizeram um pedaço pequeno da pista. Do jeito que vai, só terminam na época da eleição”, diz o agricultor Jose Valdemir de Souza, 54, que trabalha com a cultura do fumo e mora na região desde que nasceu.
O casal de aposentados Pedro Severiano, 77, e Maria Gomes, 70, tomou uma queda de moto ao derrapar na piçarra que foi jogada sobre o leito da estrada de terra, que permaneceu inconclusa: “Só jogaram essas britinhas aí e depois pararam a obra”, diz Severiano.
O povoado Cangandu abriga famílias de baixa renda que vivem da agricultura, mas a estrada que liga o povoado à zona urbana da cidade abriga dezenas de chácaras, haras e fazendas, incluindo um parque de vaquejadas —prática que é uma das paixões de Arthur Lira.
Os convênios para a pavimentação da via foram assinados em agosto de 2021 em cerimônia no povoado Cangandu com a participação de Arthur Lira. Na ocasião, foram firmados convênios para obras em 13 bairros na área urbana da cidade e duas localidades da zona rural.
Na ocasião, o prefeito Luciano Barbosa fez uma deferência ao antigo adversário e hoje presidente da Câmara dos Deputados: “Quero agradecer mais uma vez ao deputado federal Arthur Lira pelo apoio na execução de tantas obras”.
Lira se derramou em elogios. Classificou Barbosa como um gestor visionário, disse que ele será reeleito em 2024 e fez afagos ao filho do prefeito, Daniel Barbosa, que vem sendo cortejado para concorrer a uma vaga de deputado federal em 2022 pelo PP.
“Leva, Daniel, esse nome de Arapiraca para Brasília, se Deus quiser. E venha com força para reforçar o nosso time”, disse Lira em evento de assinatura de convênio para obras no bairro São Luís. Na primeira quarta-feira de dezembro, apenas duas máquinas trabalhavam na terraplanagem de ruas do bairro.
Ao mesmo tempo que flerta abertamente com Lira, Barbosa refez as pontes com o governador Renan Filho, de quem também tem conquistado recursos adicionais e obras para a cidade.
Os dois superaram as rusgas de um ano atrás, quando o MDB chegou a expulsar Barbosa do partido e lhe retirar a legenda para concorrer à Prefeitura de Arapiraca.
O plano do grupo político de Renan Filho era que Barbosa assumisse um mandato tampão em 2022, quando o governador renunciaria ao cargo para concorrer ao Senado após um ciclo de dois mandatos.
Ao sentir que não seria escolhido como sucessor de Renan Filho, Barbosa deixou o cargo para ser candidato a prefeito e deixou o governador sem um vice.
A situação gerou um dilema para o filho de Renan Calheiros, que ainda não definiu se renuncia em abril para concorrer ao Senado ou permanece na cadeira de governador até o fim do mandato.
Em caso de renúncia, a escolha do governador tampão caberá à Assembleia Legislativa, onde o governador não tem maioria sólida. O condutor desta eleição será o presidente da Assembleia, deputado Marcelo Victor (Solidariedade), outro que também transita entre os Calheiros e os Lira.
Um dos nomes cotados para assumir o governo e concorrer à sucessão é o deputado estadual Paulo Dantas (MDB), que migraria para a União Brasil e seria uma espécie de candidato de consenso, unindo os Calheiros e os Lira.
Dantas lançou em 16 de dezembro o primeiro vídeo de sua pré-campanha com o sugestivo slogan de “100% Alagoas”, se posicionando como um candidato com capacidade de unir os principais grupos políticos do estado.
“O problema é que ele tem que combinar com os russos. Arthur Lira tem sede de influenciar o próximo governo. Renan Filho também tem o mesmo desejo. Me pergunto até que ponto é possível a essas duas forças se compatibilizarem”, avalia o deputado federal Paulão (PT-AL).
Caso sua candidatura se concretize, Paulo Dantas deve enfrentar nas urnas o senador Rodrigo Cunha (PSDB). Ele vai para a disputa com o apoio do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, atualmente principal nome da oposição aos Calheiros.
O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o fim de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.
As emendas parlamentares se dividem em:
Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: as emendas sob comando do relator, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior
metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019
O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
Metade desse valor tem que ser destinado a obras
O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
emendas de comissão permanente: R$ 0
emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões