Publicado em 28 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
Na edição de ontem de O Globo, Julia Noia publicou matéria focalizando que o índice inflacionário previsto para janeiro, da ordem de 0,58%, será maior do que o esperado pelo governo, embora técnicos em matéria financeira considerem que o índice significa uma desaceleração porque o de dezembro de 2021 foi de 0,98%.
É a oportunidade que aparece para acentuar o fato de a espiral inflacionária na realidade não desacelerar, como os conservadores identificam, mas qualquer índice mensal verificado acima de zero significa uma adição à escalada inflacionária que o antecedeu.
ADITIVO – O processo inflacionário, de fato, não é substitutivo, é aditivo. Portanto, se a inflação de 2021, segundo o IBGE, fechou em 10,6%, a taxa de 0,58% em janeiro deste ano se adiciona ao resultado do exercício passado. Só poderia haver desaceleração quando o índice de um novo mês compensasse a inflação dos meses anteriores e incidisse sobre os números absolutos em relação aos quais a pesquisa anterior foi produzida.
Não ocorrendo isso, é claro, está havendo um acúmulo de índices mensais inflacionários, uns sobre os outros, não se calculando nesse caso o montante em consequência de uma inflação sobre as anteriores. Isso de um lado.
De outro, o processo inflacionário obviamente atinge os salários dos trabalhadores regidos pela CLT dos servidores das empresas estatais, também regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, e em relação ao funcionalismo público. Além disso, quando são liberados reajustes, eles sucedem a escalada inflacionária, e portanto voltam a perder a corrida a partir do mês seguinte ao do reajuste.
SEM REAJUSTE – No caso dos funcionários públicos, eles não têm reajuste desde 2017. Os reflexos se generalizam no poder de consumo, atingindo até os supermercados, o que revela que o processo social brasileiro está diminuindo e abalando seriamente a renda do trabalho.
Uma consequência clara da desvalorização salarial, decorrente da própria inflação não recomposta, é o endividamento das famílias que chega até a atingir o pagamento das contas de energia elétrica e de gás. No O Globo de ontem, Bruno Góis, Vítor da Costa e Amanda Scatolini, publicaram excelente reportagem, destacando inclusive que a Light, fornecedora de energia, está oferecendo descontos em média de 80% nos parcelamentos mensais para enfrentar a inadimplência que já atinge um aumento de 2,6 milhões de pessoas em relação a 2020.
Rodney Argolo, gerente da cobrança da Light, destaca o objetivo de enfrentar a inadimplência. Na opinião de Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio, a inflação e os juros altos do mercado estão causando uma situação que ameaça o fornecimento de energia, sobretudo no Rio de Janeiro.
DÍVIDA PÚBLICA – O Tesouro Nacional divulgou na tarde de quarta-feira, e O Globo publicou em sua edição de ontem, que a dívida pública do país avançou 12% em 2021 em relação a 2020, alcançando assim R$ 5,6 trilhões. Recentemente, escrevi que a dívida pública era de R$ 5,9 trilhões.
Fica aí, portanto, a retificação. Sobre o total de 5,6 trilhões incide os juros anuais de 9,25%, atual taxa Selic, o que faz com que as despesas só com os juros fiquem em torno de R$ 550 bilhões a cada 12 meses.
Não tendo recursos para pagar os juros, o Tesouro Nacional emite novos títulos, absorvido pelos bancos, fundos de investimentos, fundos de pensões das estatais, que significa uma capitalização dos próprios juros e um aumento do volume de papéis colocados no mercado. As despesas com os juros não são consideradas absurdamente no total dos gastos públicos.
DOSES PARADAS – Em sua edição de ontem, O Globo em matéria não assinada, revela que cerca de 31 milhões de doses da vacina Jansen contra a Covid-19 estão paradas há alguns meses em um galpão do Ministério da Saúde na cidade de Guarulhos. Eram 41 milhões de doses e só foram distribuídas 10 milhões a estados e municípios. Parte das vacinas estocadas para nada resultam de doação feita pelos Estados Unidos.
É incrível que tal fato possa ter acontecido exatamente num momento em que a ômicron se acrescenta como fator de transmissão de vírus a milhões de pessoas no país. A surpresa é maior ainda quando, como assinala O Globo, parte do total armazenado resulta de doações, o que leva à contradição de por qual motivo as vacinas não foram distribuídas e aplicadas. A atuação do Ministério da Saúde é incompreensível.
IMPORTÂNCIA DOS MUSEUS – Numa excelente entrevista a Nelson Gobbi, O Globo de quarta-feira, a museóloga Vera de Alencar, há 27 anos diretora da Fundação Castro Maya, fala da importância dos museus e sobre o fato de eles, efetivamente no Brasil, serem mantidos por apaixonados pela arte e pela importância da museologia. Não existe, disse a jovem de 77 anos, nenhum estímulo que parta dos governos. No próximo domingo, quando completa 27 anos à frente da Fundação Castro Maya, Vera de Alencar deixará o cargo por iniciativa própria.
A importância dos museus, no Brasil e no mundo, é enorme para a cultura. Inclusive vale destacar que as obras de arte não se substituem umas pelas outras, ao contrário, se adicionam nesse processo eterno do patrimônio do ser humano e de sua passagem pelo tempo, pela vida e pela produção ou admiração pela arte.