Gerente de comunicação do Instituto Butantan fala sobre desafios de comunicar ciência em tempos de negacionismo e extremismo ideológico. "O governo federal bate o tempo todo, e nossa única arma é a informação correta."
Por Edison Veiga
De acordo com um levantamento publicado neste mês, o perfil oficial do Instituto Butantan é um dos mais influentes dentre as instituições divulgadoras de ciência no Twitter. O estudo, desenvolvido pelo monitor Science Pulse em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), posicionou o
@butantanoficial, com seus mais de 200 mil seguidores, em terceiro lugar nesse ranking: atrás dos perfis @agencia_fiocruz e @fiocruz, ambos da Fundação Oswaldo Cruz.
Segundo a gerente de comunicação da entidade, a jornalista e publicitária Vivian Retz, o engajamento alcançado nas redes se explica pelo interesse atual do público pelo tema — em decorrência da pandemia de covid-19, é claro. Mas há um esforço constante em informar adequadamente e apresentar conteúdos de qualidade.
A jornalista trabalhava na comunicação da Secretaria de Estado da Saúde quando, no fim de 2019, foi convidada para assumir o cargo. Entrou em janeiro de 2020, quando o coronavírus era uma "história ventilada lá na China, longe…."
Hoje, sob a responsabilidade dela, há quatro pessoas que atualizam o material hoje publicado em Twitter, Facebook, Instagram, Linkedin, TikTok e Youtube. E a proposta é responder diretamente a todas as dúvidas que venham a aparecer.
"Temos um FAQ [uma lista de Frequently Asked Questions, ou ‘questões frequentemente perguntadas'] no qual colocamos respostas mais frequentes de determinado assunto e, aí, vamos interagindo com as pessoas que estão mais escrevendo sobre esses temas", conta em entrevista à DW Brasil.
"Tem muita crítica [ao Butantan], uma rejeição muito grande à vacina [Coronavac] por ela ser chinesa. As pessoas xingam", comenta Retz. "Atrás do computador todo mundo é muito mais agressivo e corajoso, então os ataques vêm."
DW Brasil: Qual era sua missão quando assumiu o cargo no Butantan?
Vivian Retz: Eles me pediram para ajudar a mudar a imagem do instituto. Porque todo mundo falava de Butantan e lembrava de cobras, tinha gente que nem sabia que o instituto também fazia vacina. Veja você: eu vim para cá nessa situação.
O plano era internacionalizar o instituto, torná-lo mais conhecido, fazê-lo virar referência na América Latina. [Na época] eles estavam fazendo várias parcerias com farmacêuticas do mundo todo para fabricação de vacina, e o objetivo era torná-lo um centro não só para [fornecer vacinas para] o SUS [Sistema Único de Saúde], mas para toda a América Latina. Aí veio a pandemia, mas [em janeiro de 2019] era uma história ventilada lá na China, longe…
Quase dois anos depois, a mudança de imagem foi uma coisa natural por conta da própria pandemia? Agora ninguém mais está se lembrando das cobras?
Sempre tem a brincadeirinha: cuidado com o que vocês pedem. Mas, sim, todo mundo sabe hoje [das vacinas]. E vamos ter uma nova fábrica, vamos produzir outros tipos de produtos, vai ter [vacina contra] chikungunya, dengue, HPV, uma série… É uma chance que estamos tendo que nunca houve antes: falar sobre a importância de uma produção nacional [de vacinas]. Porque, veja, a [vacina contra covid-19 produzida pela] Pfizer demorou para chegar [ao Brasil] porque, claro, antes eles iam privilegiar a população deles [dos Estados Unidos].
Então, quando a pessoa fala da China para criticar, tem de lembrar que [o contrato com a China] é de transferência de tecnologia. Agora estamos desenvolvendo a Butanvac e que bom que temos essa tecnologia com uma fábrica aqui capaz de atender ao SUS com rapidez. Porque numa próxima epidemia, e sabemos que terão outras, precisaremos ter rapidez. É isso que temos de fazer: e não comprar vacina ao triplo do preço de um país que não vai priorizar a gente. Cada um vai olhar para o seu umbigo.
"Temos de rebater fake news o quanto antes, enfatizar que 'o Butantan diz que isso não é verdade'", afirma a gerente de comunicação Vivian Retz
Pelas redes sociais, são muitas as críticas que chegam?
Sim. Tem muita crítica, uma rejeição muito grande à vacina [Coronavac] por ela ser chinesa. As pessoas xingam. Atrás do computador todo mundo é muito mais agressivo e corajoso, então os ataques vêm. Os ataques vêm, a gente sabe quando tem robô, quando o perfil é falso. A pandemia revelou esse momento histórico que a gente vive, o das fake news.
E não só no Brasil. E a pandemia chegou em um momento em que existe uma rejeição a vacinas, um movimento antivacina muito grande pelo mundo. E aqui no Brasil não é diferente. A gente já vinha de coberturas vacinais baixas, já estava com o sinal vermelho aceso. […] O brasileiro pode não admitir que se vacinou, mas a maioria se vacinou. Na dúvida, ele vai e se vacina.
E como informar corretamente o público?
A única arma que a gente tem, e eu nem gosto de usar a palavra arma porque ela é muito usada hoje por esse governo [federal], é a informação correta. Se a pessoa fala mentira, a gente põe um especialista, um cientista para rebater, mostrar que não é verdade por causa disso e daquilo. E damos material para a pessoa compartilhar. Porque tem gente que faz isso [produzir fake news] de má fé, mas isso acaba chegando a pessoas que vão achar que é verdade. Então temos de rebater o quanto antes, enfatizar que "o Butantan diz que isso não é verdade".
Vocês respondem um a um? A ideia é sempre interagir com todos?
Temos um FAQ [uma lista de Frequently Asked Questions, ou ‘questões frequentemente perguntadas'] no qual colocamos respostas mais frequentes de determinado assunto e, aí, vamos interagindo com as pessoas que estão mais escrevendo sobre esses temas. Quando vemos que um assunto está circulando muito, aí fazemos um post para rebater. Tem a interação pessoa a pessoa. Deixamos umas respostas prontas sobre o assunto e vamos tentando responder à medida do possível, porque é muita gente. […] E às vezes a gente apanha, né?
Houve algum momento em que foi mais difícil por conta dessas reações?
Olha, toda semana a gente tem um momento de falar "meu Deus do céu". É muito difícil. Porque a gente tem um governo federal que bate o tempo todo. E vêm coisas muito inacreditáveis. Parece que o fim do túnel não chega, é cada vez mais fundo.
A gente apanha, apanha, apanha. Porque existe uma rejeição por conta de [a vacina] ser chinesa, as pessoas têm essa fantasia de que por ser de lá é pior. […] A gente tem de pôr a informação de que a Coronavac salvou muitos idosos, já que os idosos quase todos tomaram a Coronavac. Quando acontece alguma coisa com a Coronavac, a história é hipervalorizada. E quando alguém tem alguma reação grave a qualquer vacina, a gente vai para o mesmo balaio, no discurso de que "nenhuma vacina presta".
Qual o plano para manter o público engajado depois da pandemia?
Infelizmente, está longe de acabar a pandemia. Mas eu acho que a ciência está um pouco mais popularizada. Eu fiz um trabalho aqui criando porta-vozes para falar de assuntos de forma clara. Qualquer assunto falado de forma leve atrai público. As pandemias vão ser mais frequentes, e vamos precisar comunicar.
Deutsche Welle