Maior bancada do Centrão e terceira maior da Câmara, sigla do presidente deve receber em torno de 20 deputados bolsonaristas
Por Camila Zarur
RIO - A escolha do presidente Jair Bolsonaro de se filiar ao PL desencadeará uma série de trocas de legenda por parlamentares na última janela partidária antes das eleições do ano que vem, entre 3 de março e 1º de abril. Entre deputados que deixarão o partido por incompatibilidade com o presidente, o ingresso da bancada bolsonarista hoje abrigada no PSL, e outros rearranjos na antiga sigla de Bolsonaro, em processo de fusão com o DEM, líderes partidários calculam que ao menos 40 parlamentares já estejam de malas prontas para trocar de sigla. O número deverá ser maior, considerando legendas sem ligação direta com o passado recente ou a atual filiação do presidente.
A janela partidária é o período em que deputados federais ou estaduais podem trocar de sigla sem serem punidos por infidelidade. O PL, atualmente com 43 deputados, é a maior bancada do Centrão e a terceira maior da Câmara. A expectativa é que o partido receba em torno de 20 deputados bolsonaristas que ainda estão no PSL — ultrapassando, assim, o PT (53 deputados) e, eventualmente, até mesmo o futuro União Brasil, que surgirá da fusão entre o PSL (55 deputados antes da debandada bolsonarista) e o DEM (27).
Receber o presidente também provocará, por outro lado, uma revoada de parlamentares do PL. Dois já anunciaram a partida: o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (AM), e Cristiano Vale (PA). Ramos, aliás, não deve sequer esperar a janela. Ele ingressou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com uma ação pedindo o direito de se desfiliar já, sem perder o mandato, alegando “mudanças de rumo” do partido. O pedido foi aceito pelo ministro Luís Roberto Barroso, que levou em conta uma carta assinada pelo presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, afirmando que a permanência se tornou “insustentável”.
A outra saída confirmada se dá porque Cristiano Vale, que está rumo ao PP, é aliado do governador do Pará, Hélder Barbalho (MDB), opositor de Bolsonaro. A proximidade de deputados com rivais do presidente pode fazer aumentar a debandada do PL. É o caso, por exemplo, de Júnior Mano (CE), aliado do ex-governador cearense Cid Gomes (PDT), e de Fabio Abreu (PI), ex-secretário do governador Wellington Dias (PT). Edio Lopes (RR) e Fernando Rodolfo (PE) podem aumentar a barca.
O líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), minimiza as saídas.
— Diante uma situação interna, ele (Ramos) deve sair, mas não é uma questão do partido. Ele é muito querido no partido — diz o líder do PL na Câmara.
Ramos deve anunciar seu novo partido apenas em fevereiro. Uma possibilidade é se filiar no PSD, do ex-ministro Gilberto Kassab. No Amazonas, Ramos é próximo do senador Omar Aziz (PSD), presidente estadual da sigla e que antagonizou com Bolsonaro ao presidir a CPI da Covid.
A leva a caminho do PL, porém, deve ser maior. Eleitos com o apoio do presidente em 2018, a ala bolsonarista do PSL aguardava desde 2019 uma sinalização de Bolsonaro. Naquele ano, o mandatário rompeu com o mandachuva da legenda, Luciano Bivar (PE), por causa da disputa pelo controle do partido e de seus milionários fundos eleitoral e partidário.
Na época, Bolsonaro deixou o PSL, mas o mesmo não pôde ser feito pelos deputados devido à fidelidade partidária — por ser um cargo eleito por voto majoritário, o presidente não é penalizado por trocar de sigla fora da janela.
A demora em Bolsonaro decidir para qual partido iria estava deixando vários deputados apreensivos, pela dificuldade em formar alianças locais sem saber para qual partido seguiriam. Um fato externo à decisão do presidente pode agora fazer o tempo jogar a favor. Como o PSL está finalizando sua fusão com o DEM, os parlamentares poderão deixar a sigla quando o novo partido estiver formalizado, mesmo fora do período previsto pelo calendário eleitoral, sem risco de perderem o mandato.
A futura legenda ainda precisa ser homologada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que só deve acontecer a partir de janeiro. Porém, assim que for autenticada, seus integrantes poderão se desfiliar alegando mudança no estatuto do partido.
Recentemente, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) publicou uma foto ao lado de Valdemar Costa Neto e do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, cotado para concorrer ao governo de São Paulo. Na legenda, o parlamentar escreveu que estava “acertando os detalhes da nossa ida” ao PL.
Nas contas de Jordy, a ala mais fiel a Bolsonaro no PSL tem hoje entre 26 e 29 deputados federais, entre eles o próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro(SP), Major Vitor Hugo (GO), Carla Zambelli (SP) e Bia Kicis (DF).
Não é apenas no antigo partido do presidente que haverá defecções para seguir Bolsonaro. No DEM, os deputados aliados do pastor Silas Malafaia, que é próximo do presidente, também devem migrar para o PL, embora digam que ainda é cedo para anunciar a transferência. Sóstenes Cavalcante (RJ), que deve presidir a Frente Parlamentar Evangélica no próximo ano, é um deles.
A sigla demista também perderá dois ministros do governo federal. Onyx Lorenzoni, chefe da pasta do Trabalho, deve ir para o PL, assim como se espera que faça Gilson Machado (PSC), do Turismo. Já Tereza Cristina, da Agricultura, está de malas prontas para o PP.
A noiva preferida
O emagrecimento do DEM não se dará apenas pela saída de bolsonaristas. O racha entre o presidente da sigla, ACM Neto, e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, hoje sem partido, deixou aliados de Maia à espera da oportunidade para sair. É o caso de Pedro Paulo (RJ), com previsão de seguir os passos de seu padrinho político, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que migrou para o PSD. Neto e Maia, porém, ensaiam uma reaproximação nas últimas semanas, o que abriria a possibilidade de o ex-presidente da Câmara acabar retornando ao partido.
Outro que está de saída é o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que procura uma sigla mais alinhada com a candidatura do ex-juiz Sergio Moro, apoiado pelo MBL, seu grupo político. Moro se filiou ao Podemos, e na disputa estadual paulista deve apoiar Arthur do Val, também do MBL, e filiado ao Patriota.
Como a perda de muitos deputados já estava prevista por PSL e DEM ao longo do ano, a criação do União Brasil foi vista como uma forma de sobrevivência das duas siglas. Antes das defecções, o novo partido chegaria a 82 deputados, e seria de longe a maior bancada da Câmara. Para efeitos da divisão do tempo de TV e do fundo eleitoral, porém, o União Brasil não perderá com a saída dos parlamentares. A sigla é a noiva mais disputada para o pleito de 2022, com cerca de R$ 700 milhões apenas do fundo eleitoral.
A robustez da nova sigla, porém, vai servir para atrair deputados de partidos e de história bem distintas, como Clarissa Garotinho (PROS-RJ) e o capixaba Felipe Rigoni, eleito pelo PSB e atualmente no PSL. No Rio, o União Brasil deve receber ainda o ex-governador Anthony Garotinho e a filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, Danielle.
Até março, a formação de alianças e palanques nos estados em torno de candidatos a presidente e a governador deve provocar a mudança de vários outros deputados. Partidos com candidatos fortes a cargos majoritários têm a oferecer bons cabos eleitorais a deputados em busca da reeleição. Por outro lado, siglas fora das corridas majoritárias têm o atrativo de poder destinar a maior parte dos recursos a quem quer renovar o mandato na Câmara.
O Globo