Publicado em 1 de novembro de 2021 por Tribuna da Internet
Carlos Newton
Na viagem de Bolsonaro a Roma, a Piada do Ano foi o encontro do presidente Jair Bolsonaro com o secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Mathias Cormann, no sábado, quando indagou como vai o processo na entidade internacional para de aceitar o Brasil como um de seus países-membros.
Antes da reunião disse Bolsonaro: “Nós queremos a ascensão à OCDE. Ele [o secretário-geral] é simpático sobre a nossa posição. É difícil, mas ao que tudo indica, em vez de um país, devem entrar seis países simultaneamente. Três da Europa e três das Américas”.
QUERER E PODER – Bolsonaro desconhece o velho ditado “querer não é poder”. O encontro foi rápido e, como era de se esperar, o secretário-geral Thomas Cormann deu uma bela embromada em Bolsonaro.
O Brasil é candidato e faz lobby para tentar entrar na OCDE, considerado o clube dos países ricos, mas as perspectivas são sinistras, devido ao retrocesso que vem ocorrendo desde 2019, com o afrouxamento do combate à corrupção.
Quando o Supremo Tribunal Federal mudou a “interpretação” das leis e passou a impedir prisão após segunda instância, a OCDE enviou uma missão ao Brasil, que retornou levando um relatório altamente negativo.
Além do fim da Lava Jato e da proibição da prisão em segunda instância, a chamada Lei de Abuso de Autoridade também foi citada pelo grupo da OCDE entre as medidas que impedem o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.
VIÉS DE IMPUNIDADE– Da mesma forma, a comitiva da OCDE demonstrou preocupação com o Tribunal de Contas da União sobre acordos de leniência com empresas corruptas, assim como também estranhou decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que suspendeu procedimentos da Receita contra autoridades federais e seus parentes.
Por fim, causou estranheza a decisão do Supremo que anulou sentença em processo da Lava Jato, para que o réu alvo de delação premiada pudesse se manifestar depois do réu colaborador, como se não pudesse ter se pronunciado a respeito nas alegações finais.
CLARO RETROCESSO – Isso ocorreu em novembro de 2019. De lá para cá, tudo piorou. Diante do evidente recuo no combate à impunidade no Brasil, com adoção de outras medidas impeditivas do combate à corrupção, em março deste ano a OCDE tomou uma decisão inédita: criou um grupo permanente de monitoramento sobre o Brasil.
A medida, jamais adotada contra nenhum país, representa uma escalada — com tons de advertência — nas posições da OCDE, que desde 2019 tem divulgado alertas públicos ao governo, sem qualquer retorno.
A partir daí, especialistas de três países-membros da OCDE estão monitorando – de maneira contínua e independente – a desmobilização do combate à corrupção no país, mantendo informada a cúpula da organização internacional.
ENCONTRO INUSITADO – Em meio a essa situação constrangedora, o presidente Jair Bolsonaro comparece a uma reunião do G-20 e pede uma reunião com o secretário-geral da OCDE, o belga Mathias Cormann, para cobrar uma resposta ao pedido de inclusão do Brasil entre os membros efetivos da entidade, integrada por apenas 31 países, a maioria de menor importância do que o Brasil no cenário internacional, como Austrália, Chile, Coréia, Eslovênia, Estônia, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Letônia, Luxemburgo, México, Peru, Polônia e Portugal.
A diferença é que essas nações – como a maior parte do mundo, aliás – estão dedicadas a combater a corrupção, enquanto o Brasil se dedica a cultivar a impunidade.
Por essa e muitas outras razões, a reunião que Bolsonaro pediu ao secretário-geral da OCDE só pode ser encarada como mais uma Piada do Ano.
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P.S. – O mais estarrecedor é perceber que Bolsonaro, como presidente da República, não está informado de que o Brasil é o único país do mundo onde a corrupção é monitorada pela OCDE em caráter permanente. (C.N.)