O desempenho sofrível dos democratas nas eleições locais da última semana nos Estados Unidos traz recados a todo o planeta, inclusive ao Brasil. Em redutos fiéis, estados em que o presidente Joe Biden derrotara Donald Trump com tranquilidade no ano passado, a maré virou. O Partido Democrata perdeu o governo da Virgínia (dez pontos de vantagem para Biden em 2020) e por pouco não perdeu Nova Jersey (16 pontos). A ala mais à esquerda sofreu reveses em Buffalo, Nova York, e em Minneapolis, epicentro dos protestos antirracistas depois da morte de George Floyd.
É razoável atribuir o movimento a questões nacionais, como a inflação e o desemprego renitentes, a queda de popularidade de Biden depois da saída do Afeganistão e os danos da pandemia — nada disso é bom para nenhum governo no poder, e todo candidato democrata sofreria as consequências. Mas os republicanos souberam aproveitar a oportunidade. A estratégia deles traz lições para países que enfrentam populistas como Trump ou Jair Bolsonaro.
A principal vem da Virgínia, onde o republicano Glenn Youngkin derrotou o rival democrata com um equilíbrio tênue o bastante para não perder os eleitores trumpistas e, ao mesmo tempo, atrair descontentes moderados que haviam votado em Biden, em particular o público feminino que mora nos subúrbios. A vitória de Youngkin aponta um caminho que certamente outros republicanos — assim como políticos do mundo todo — tentarão desbravar.
O primeiro ingrediente da estratégia de Youngkin foi a ambivalência em relação a Trump. Ao mesmo tempo que contou com o apoio dele e começou a campanha batendo na tecla mentirosa da “integridade eleitoral”, manteve uma distância profilática e evitou falar no ex-presidente na campanha. Ex-CEO de um fundo de investimentos, Youngkin tem por natureza um perfil mais sóbrio, de executivo competente e bem-sucedido, que lhe permitiu descolar sua imagem de Trump.
Mesmo assim — e aí entra o segundo ingrediente —, entendeu e aproveitou o ressentimento que projetou Trump. Encontrou sua principal bandeira nas guerras culturais, em particular na educação. Dirigiu seu discurso aos pais revoltados com o fechamento das escolas na pandemia, com a obrigação de usar máscaras e com o que veem como exagero no tratamento das questões identitárias de gênero ou cor. Aproveitou a declaração desastrada do adversário sugerindo que pais não “deveriam dizer às escolas o que ensinar” para pintar um quadro fantasioso, em que as salas de aula haviam se tornado focos de doutrinação ideológica. Assumiu a dor dos pais e prometeu que seriam ouvidos sobre o que é ensinado aos filhos.
A vitória de Youngkin demonstra que, independentemente do que se ache das ideias estapafúrdias ou das mentiras disseminadas por líderes como Trump ou Bolsonaro, parcela do público sempre estará disposta a acreditar nelas e a ser manipulada. E que um candidato de personalidade menos tóxica e mais civilizada também pode se aproveitar das guerras culturais para conquistar o poder.
O Globo