Pedro Prata, Samuel Lima e Alessandra Monnerat
Estadão
O presidente Jair Bolsonaro voltou a divulgar mentiras sobre a covid-19 e as vacinas, além de acusar falsamente hospitais de inflar estatísticas de mortes na pandemia para “ganhar mais dinheiro”. As declarações foram dadas em entrevista a integrantes de um grupo negacionista de extrema-direita alemão.
“Muitas [vítimas] tinham alguma comorbidade, então a Covid apenas encurtou a vida delas por alguns dias ou algumas semanas”, disse Bolsonaro.
A fala do presidente ocorreu no dia 8 de setembro, em uma entrevista dada para Vicky Richter e Markus Haintz. Os dois são ligados ao movimento de extrema direita Querdenken, da Alemanha.
Trechos do vídeo foram divulgados pelo site de notícias Metrópoles nesta quinta-feira, 23 de setembro. Segundo o portal, a gravação foi feita no dia 10, mas o compromisso não constou da agenda oficial.
O Estadão Verifica encaminhou ao Palácio do Planalto perguntas sobre a entrevista, mas não obteve resposta até o momento.
NOTIFICAÇÃO DE CASOS – Bolsonaro disse que hospitais públicos supernotificaram casos e enviaram pessoas para Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de Covid-19 porque assim ganhariam “mais dinheiro”. O argumento do presidente é que o leito para outras doenças custaria a metade.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Na realidade, ocorreu o contrário: especialistas alertam para um provável cenário de subnotificação em razão do baixo volume de testes no País, falhas no processo de diagnóstico e mesmo erros e fraudes em certificados de óbitos (a CPI da Covid apura um caso do tipo na rede Prevent Senior).
Sobre a suposta vantagem financeira que hospitais teriam ao tratar um caso como covid-19 e não como outra doença, o Ministério da Saúde informou ao Projeto Comprova, em junho do ano passado, que o número de diagnósticos da rede não é um parâmetro usado para o repasse de verbas.
AUTÓPSIA DE PACIENTES – Bolsonaro disse que hospitais colocavam covid como causa da morte para “liberar o corpo mais rapidamente”. “Não havia autópsia”, afirmou. “Era mais barato para o hospital não fazer uma autópsia.”
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Evitar fazer autópsia em pacientes de covid-19 é uma recomendação do próprio Ministério da Saúde, no documento “Manejo de corpos no contexto da doença causada pelo coronavírus”. A publicação técnica explica que o procedimento gera aerossóis e respingos, e por isso é considerado de alto risco para contaminação.
O documento do ministério recomenda que seja utilizada a técnica de “autópsia minimamente invasiva” — ou seja, com diagnóstico por imagem ou por punção na pele.
COMORBIDADE EM PACIENTES – Bolsonaro disse que “muita gente já tinha alguma comorbidade” e que a covid-19 apenas “abreviou a vida delas em alguns dias ou semanas”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Entre os fatores de risco para complicações da covid-19 identificados pelo Ministério da Saúde há muitas doenças como hipertensão arterial, asma e diabetes, que, se controladas ou tratadas, não representam perda da expectativa de vida, explica a infectologista da Unicamp Raquel Stucchi.
“Já a covid-19 é uma doença que se previne por vacina. Então poderíamos ter evitado muitas mortes de pessoas com comorbidades se tivéssemos vacinas em tempo hábil.”
EFICÁCIA DA CORONAVAC – Bolsonaro disse que a vacina Coronavac seria “experimental” e que não haveria evidências científicas de sua eficácia. O Estadão Verifica investigou e concluiu que é falso.
Todas as vacinas atualmente em utilização no Brasil já tiveram eficácia e segurança aprovadas em pelo menos três fases de estudos clínicos em humanos, além de fases pré-clínicas em laboratório e com animais.
Com base nessas evidências, duas delas (Pfizer e Astrazeneca, esta produzida no Brasil pela Fiocruz) já receberam autorização de aplicação definitiva. Outras duas (Janssen e Coronavac, esta produzida no País pelo Instituto Butantan) têm autorização de uso emergencial e podem ser aplicadas enquanto durar a pandemia de covid-19. Esse status pode mudar caso elas também recebam autorização definitiva. Os ensaios clínicos de fase 3 da Coronavac, conduzidos no Brasil pelo Instituto Butantan, contaram com 13.060 voluntários, todos médicos.
ANTICORPOS DE VACINADOS – Bolsonaro disse que “estudos confiáveis” indicam que contaminados pelo novo coronavírus teriam seis vezes mais anticorpos do que as pessoas vacinadas. O Estadão Verifica investigou e concluiu que é enganoso.
A questão está sendo investigada pela ciência, mas ainda não há resposta conclusiva sobre qual é o nível de proteção conferido por uma infecção prévia em comparação com as vacinas. Mas é bem aceito que aplicar doses em pessoas que já tiveram a doença traz benefícios, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros órgãos de saúde pública a recomendar a inclusão desse grupo nas campanhas de imunização.
Especialistas destacam ainda que a vacinação é uma estratégia de proteção coletiva e que não faz sentido preferir uma infecção — que traz riscos de complicações e morte, aumenta o contágio e eleva a ocupação do sistema de saúde — a tomar a vacina.