A gestão de Marcelo Crivella na prefeitura do Rio de Janeiro nunca foi um bom exemplo. De repente, virou um bom aviso. Serve para recordar aos outros prefeitos, aos governadores e ao presidente da República que, no Brasil, gestor público que desdenha do Legislativo arrisca-se a enfrentar a maldição do impeachment.
Por 35 votos a 14, a Câmara de Vereadores do Rio decidiu abrir processo de impeachment contra Crivella. Tudo aconteceu com a velocidade de um truque cinematográfico. Na segunda-feira, um fiscal da Secretaria de Fazenda protocolou na Câmara um relato sobre contratos renovados pela prefeitura sem licitação. Nesta terça, veio a paulada.
Nenhuma investigação preliminar. Nenhum pedido de CPI. Avançou-se direto para o processo de impeachment. Mal comparando, Crivella parece tratar o Legislativo municipal com a mesma desatenção que dedica ao Carnaval carioca. Num país em que dois dos cinco presidentes eleitos diretamente após a redemocratização sofreram impeachment isso é, no mínimo, uma temeridade.
Não é à toa que Jair Bolsonaro decidiu estender o tapete vermelho para o MDB e os partidos do centrão. O capitão receberá no Planalto os partidos que desancava depois de ser alertado para o fato de que o Congresso brasileiro desenvolveu uma tecnologia para derrubar presidentes. No momento, Bolsonaro não conta com o apoio declarado nem mesmo da unanimidade dos 54 deputados do seu PSL.
Se Bolsonaro não tiver do seu lado pelo menos 171 votos, permite que se forme na trincheira oposta a maioria circunstancial de 342 votos necessária à abertura do processo de impeachment na Câmara. Crivella permanece no cargo até que os vereadores decidam sobre o futuro do seu mandato, dentro de 90 dias. Em Brasília, Collor e Dilma tiveram de aguardar fora do trono pelo julgamento político do Senado.
Difícil saber quais serão os resultados da súbita disposição de Bolsonaro para a negociação política. O presidente pode explodir a qualquer momento, pois está mais acostumado a virar mesas do que a se sentar em torno delas. Mas o exemplo de Crivella talvez exerça sobre Bolsonaro os efeitos de um irresistível sedativo.
Por uma dessas ironias da vida, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho 'Zero Dois' do presidente da República, votou a favor da abertura do processo de impedimento de Crivella. Fez isso às vésperas das reuniões que seu pai terá em Brasília com os partidos da banda fisiológica do Congresso —entre eles o PRB do prefeito Crivella, um admirador confesso do capitão.