Daniela LimaFolha
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), passou nos últimos dias pelo primeiro grande teste de sua administração. Primeiro, as chuvas. Caiu tanta água que pessoas morreram afogadas no estado que é conhecido por abrigar uma selva de pedra. Ali, cumpriu a cartilha básica: sobrevoou os locais afetados pela enchente, mobilizou o secretariado, falou com os afligidos pela água, enfim, mostrou-se presente. O feijão com arroz ganhou destaque porque o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), estava fora do país quando a crise explodiu. Teve que voltar às pressas, mas o estrago em sua imagem —e o bônus agregado à de Doria— já estava feito.
Nesta quarta (13), diante do massacre na escola Raul Brasil, em Suzano (SP), Doria, fortemente criticado por rivais na campanha eleitoral por se expressar de maneira artificial, quase mecânica, mostrou-se humano diante de tamanha tragédia. De novo, o básico. O plus ele sacou nesta quinta (14), ao anunciar uma indenização de R$ 100 mil para as famílias das vítimas da chacina.
ALIANÇA COM PT – No campo da política miúda, Doria, que atacou ferozmente o PT para vencer a eleição, está deixando correr na Assembleia a aliança histórica entre tucanos e petistas que há mais de uma década garante eleições tranquilas para a presidência da Casa —e mandatos sem sobressaltos aos governadores do estado.
Outro nome da direita, este recém chegado ao palanque da política nacional, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), deu mostras de que aprende rápido. Eleito com o apoio de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na esteira da antipolítica e do antipetismo, não criou qualquer dificuldade para que o PT fizesse o chefe do Legislativo local.
Mais, nesta quinta-feira, dias após a prisão de dois policiais acusados do assassinato de Marielle, procurou os familiares da vereadora e pediu desculpas, de novo, por ter participado de um episódio que marcou sua campanha: a destruição de uma placa simbólica com o nome da ativista.
RUMO AO PLANALTO – Os dois governadores sonham abertamente com a Presidência. E dão mostras de que estão dispostos a expandir sua atuação e influência para além da direita estridente na qual se apoiaram para vencer as eleições.
Os gestos de ambos ficam ainda mais gritantes porque, de Brasília, os sinais vão no polo oposto. O presidente Jair Bolsonaro ainda patina na articulação política. E o faz de tal modo que nem os segmentos mais afeitos a ele — evangélicos e ruralistas, por exemplo — têm poupado o inquilino do Planalto de críticas.
Diante da possibilidade de passar uma rasteira nos que o chamam de sectário, deixando para lá a nomeação de Ilona Szabó para a suplência de um conselho do Ministério da Justiça, fez justamente o contrário: ordenou o desligamento dela do colegiado, reforçando a sensação de que não convive bem com o pensamento divergente e a crítica. De quebra, ainda apequenou seu superministro Sergio Moro, que a havia convidado para o posto.
FALANDO DEMAIS – Bolsonaro decidiu restituir a “comunicação direta” com seus eleitores. Fez uma transmissão ao vivo em seu Facebook na semana passada. Abriu a conversa tentando justificar fala no mínimo infeliz sobre o papel das Forças Armadas na democracia, emendou uma defesa de menos de dois minutos da reforma da Previdência e depois falou o resto do tempo sobre: banana do Equador, lombadas eletrônicas, cartilhas de saúde e um edital para concurso do Banco do Brasil.
Ao discorrer sobre as cartilhas e sobre o edital do BB, disseminou informações incorretas. Ao defender a banana nacional, deixou transparecer certo interesse, já que parte de sua família vive do cultivo da fruta no Vale do Ribeira (SP).
Ainda assim, a atenção aos detalhes poderia soar como rigor implacável, não fosse o presidente tão desleixado com temas que de fato podem determinar os rumos de sua administração.
PRESSIONADO – Foi preciso que o Congresso pressionasse Bolsonaro a sair em defesa da reforma da Previdência, nada menos que o pilar de sua administração e da sustentação que ele ainda tem no mercado financeiro, para que o presidente de fato o fizesse.
Doria e Witzel, potenciais candidatos à Presidência em 2022, tentam sobreviver no mundo real, no qual os ataques pelo Twitter não viram votos no Parlamento nem agregam simpatia de setores que ainda não embarcaram em suas plataformas.
O presidente, que de certa forma fez com que os dois chegassem onde estão agora, poderia olhar para os lados para não correr o risco de, ainda no nascedouro de sua gestão, tropeçar nas próprias pernas.