Carlos Newton
Na Faculdade de Direito, o então acadêmico Sérgio Moro aprendeu o ditado latino de que as palavras voam e o que está escrito permanece (“verba volant, scripta manent”). O tempo também voa, Moro virou juiz, depois ministro da Justiça. E na quarta-feira (dia 27), em audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ele disse que preferia desistir do pacote anticrime caso haja qualquer tentativa de os parlamentares retirarem da proposta os trechos que tratam de corrupção. Ou seja, isso significa que o Moro ainda tem esperanças de que o pacote anticrime seja aprovado sem maiores cortes.
Sonhar ainda não é proibido, todos sabem, mas é preciso manter um mínimo de percepção da realidade, e o bem-intencionado ministro somente agora está percebendo que é um cordeiro no meio da matilha de lobos.
CARTA-BRANCA – Quando aceitou o convite do recém-eleito presidente Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça, o então juiz federal acreditou que teria carta-branca, e isso realmente aconteceu. Teve total liberdade para redigir o chamado pacote anticrime, mas sua autonomia terminou logo que encaminhou ao presidente Bolsonaro o texto da proposta. Dali para a frente, a carta-branca passou a ter o mesmo valor de uma nota de três dólares.
Como ministro, Moro não tem direito de encaminhar projeto ao Congresso, quem o faz é o presidente da República (Constituição, art. 61). E logo de cara a proposta sofreu a primeira mutilação. No texto enviado ao Congresso em fevereiro, foi extirpada a parte que punia com maior rigor o caixa 2. E o governo apresentou a justificativa de que houve reclamações de políticos que se sentiram “incomodados” com a criminalização do caixa 2 junto com endurecimento da legislação contra o crime organizado e corrupção.
“FATIAMENTO” – Na ocasião, Bolsonaro disse a Moro que estava apenas “fatiando” o pacote, mas era conversa fiada, porque esse trecho da criminalização do caixa 2 jamais será encaminhado ao Congresso pelo Planalto.
Ingenuamente, Moro pensou que suas sugestões eram tão óbvias e necessárias ao país que seriam facilmente aprovadas. Aceitou o tal fatiamento do caixa 2 e seguiu em frente, ainda esperançoso.
Mas veio então o segundo baque, quando Bolsonaro acertou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que o pacote anticrime iria ficar bloqueado, sem tramitar, enquanto a reforma da Previdência não fosse aprovada. Moro ficou decepcionado, porque não há motivos. A Câmara tem 513 deputados, nada impede que numerosos projetos tramitem simultaneamente, aliás, essa é a práxis legislativa.
MORO REAGE – O ministro da Justiça não aguentou essa indignidade e protestou publicamente, exigindo que o pacote anticrime tivesse tramitação normal. Foi quando Rodrigo Maia lhe deu a primeira tamancada, “Eu acho que ele conhece pouco política. Eu sou presidente da Câmara, ele é ministro funcionário do presidente Bolsonaro. Então o presidente Bolsonaro tem que dialogar comigo”, disse. “Ele [Moro] não é presidente da República, não foi eleito para isso.”
Para fingir estar atendendo a Moro, o presidente da Câmara criou um grupo de trabalho para analisar o pacote anticrime junto com projeto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, o que na prática significa congelar a tramitação da pauta de Moro, porque o grupo terá 90 dias para debater internamente. Ou seja, seus integrantes vão se reunir, blá-blá-blá, mas não decidirão nada. Enquanto isso, o pacote fica congelado.
Além disso, o cronograma do grupo de trabalho não prevê discussão de temas relacionados à corrupção, apesar de haver propostas sobre o assunto nos dois textos, vejam a que ponto chega a desfaçatez dos políticos.
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P.S. 1 – Para culminar, já se comenta na Câmara que também será retirado dos debates o cumprimento de pena de prisão após condenação em segunda instância.
P.S. 1 – Para culminar, já se comenta na Câmara que também será retirado dos debates o cumprimento de pena de prisão após condenação em segunda instância.
P.S. 2 – Nesta quinta-feira, dia 28, Maia ofereceu um café da manhã a Moro e à líder do governo Joice Hasselmann (PSL-SP). Ao final, a deputada disse que o pacote anticrime “caminhará a passos largos”. E acrescentou: “O compromisso de celeridade na Câmara foi assumido hoje durante café da manhã comigo e Moro na casa do Rodrigo Maia “. Caramba, a deputada acreditou… Será que o ministro também caiu nessa? É muita ingenuidade.(C.N.)