Carta Aberta da redação de A Tarde

Hoje é um dia triste não só para nossa história pessoal, mas também para A
TARDE e, principalmente, para o jornalismo da Bahia. Um dia em que A TARDE,
um jornal quase centenário e que já foi o maior do Norte e Nordeste e que
tinha o singelo slogan "Saiu n´A TARDE é verdade" se curvou. Cedeu a
pressões econômicas difusas e demitiu um profissional exemplar.

Aguirre Peixoto teve a cabeça entregue em uma bandeja de prata a empresas
do mercado imobiliário em uma tentativa de atração/reaproximação com
anunciantes deste setor. Tentativa esta que pode dar certo ou não. Uma
medida justificada por um suposto "erro grosseiro" não reconhecido pela
Diretoria de Jornalismo, pelo Editor-Executivo, pelo Editor-Chefe, por
secretários de Redação, Editor Coordenador ou editores de Política.

Uma medida, enfim, que só pode ser entendida como uma demonstração de força
excessiva, intimidatória à autoridade da Direção de Jornalismo, à
Coordenação de Brasil e à Editoria de Política. Uma demonstração de força
desproporcional, porque forte não é aquele que age com força contra algo ou
alguém mais fraco. Forte seria enfrentar, como o jornalismo de A TARDE
estava enfrentando, empresários que iludidos pela promessa do lucro fácil e
rápido põem em risco recursos financeiros de consumidores, o meio ambiente
da cidade e que aviltam, desta forma, toda a cidadania soteropolitana.

Aguirre era o elo mais fraco da corrente. Acima dele havia editores,
coordenador, secretários de redação, editor-executivo, editor-chefe, diretor
de Jornalismo. Todos, em alguma medida, aprovaram a pauta, orientaram o
trabalho de reportagem e autorizaram a publicação da reportagem. Isso foi
feito sem irresponsabilidades, pois não foi constatado nenhum erro, muito
menos um "erro grosseiro". Se algum erro foi cometido, o erro foi o da
prática do jornalismo, uma atividade cada vez mais subversiva em época em
que propositadamente se misturam alhos e bugalhos para confundir, iludir,
manipular a opinião publica, a sociedade, a cidadania. É de se estranhar que
uma empresa que se coloca como defensora da cidadania aja de tão vil maneira
contra um de seus melhores profissionais.

Recapitulando, Aguirre foi pautado para dar sequência às reportagens que
fazia sobre a Tecnovia (antigo Parque Tecnológico). O fato novo era uma
liminar concedida pela 10ª Vara Federal em que cassava multa aplicada ao
empreendimento pelo Ibama. Era essa a pauta. No dia seguinte, a Tribuna da
Bahia publicou matéria em que dizia que a liminar (decisão que pode ser
revista) acabava com o processo criminal contra o empreendimento, que
envolve Governo do Estado e duas poderosas construtoras. A matéria de A
TARDE - dentro do padrão de qualidade que um dia fez deste um jornal de
referência - ouviu o MPF e mostrou que se tratavam de dois processos
distintos. O da multa, que foi cassada liminarmente e que o MPF afirmava que
recorreria da decisão; e o criminal, que continuava em tramitação normal. A
matéria de A TARDE estava tão certa que o MPF, posteriormente, publicou nota
oficial na qual desmentia o teor da reportagem da Tribuna da Bahia (jornal
que serve a interesses não republicanos, para dizer o mínimo). Essa foi a
razão suficiente para o repórter ter a cabeça entregue como prêmio a
possíveis anunciantes.

O interesse público? A defesa da cidadania? O histórico ético, de manchetes
exclusivas, de boas e importantes reportagens? Nada disso importou a A
TARDE. Importou a satisfação a um grupo de empresários, a uma, duas ou três
fontes insatisfeitas. Voltamos a tempos medievais, quando fontes e órgãos
insatisfeitos mandavam em A TARDE, colocavam e derrubavam profissionais.
Tempo em que o jornalismo era mínimo.

"Jornalismo é oposição. O resto é balcão de secos e molhados". Essa é uma
famosa frase de Millor Fernandes. Dispensado o radicalismo dela, é de se ter
em mente que Jornalismo é uma atividade que incomoda. Defender o conjunto da
sociedade, seu lado mais fraco, incomoda. É preciso que a Direção de A TARDE
entenda que a sustentabilidade do negócio jornal depende do seu grau de
alinhamento com a sociedade civil (organizada e, principalmente,
desorganizada). A força de um veículo de comunicação não está nos números de
circulação ou de de anunciantes, mas nas batalhas travadas em prol dos
direitos coletivos e individuais diariamente aviltados pelo bruto e burro
poder econômico.

Credibilidade é um valor que se conquista um pouco a cada dia e que se
perde em segundos. E, graças a ações como esta, a credibilidade de A TARDE
escorre pelo ralo a incrível velocidade, assim como sua liderança, assim
como seus anunciantes. Sem jornalismo, o jornal (qualquer jornal) pode
sobreviver alguns anos de anúncios amigos. Mas com jornalismo, um jornal
sobrevive à história.


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Danielle Villela
(71) 8713-2158
Fonte: CMI Brasil