Carlos Chagas
Concluído hoje o segundo mês do governo Dilma Rousseff, confirma-se a impressão dos primeiros trinta dias: fora algumas exceções, o ministério ainda não entrou em campo. Assustados com os puxões de orelha que a presidente aplicou em quatro ou cinco ministros, nas duas semanas iniciais, os demais encolheram-se. Nem a agenda de trabalhos diários eles divulgam. Ignora-se se estão em Brasília ou viajando. Seus planos, programas e metas permanecem em segredo, se é que existem. Despachos pessoais com Dilma, nem todos tiveram até agora. Melhor assim, pensam muitos: pelo menos evitam cobranças e admoestações.
�
O governo funciona por obra e graça de sua chefe e do grupo de ministros palacianos, mais um ou outro convocado para debater temas onde bissextamente entra matéria de suas teóricas atribuições.
�
Com todo o respeito, mas o que fazem os ministros dos Transportes, das Cidades, do Turismo, da Pesca, do Desenvolvimento Industrial, do Desenvolvimento Social e quantos outros? Falta-lhes coragem para ousar, sobra-lhes medo de desagradar.
�
Trata-se de uma situação singular quando comparada com administrações anteriores. Nos governos do Lula, Fernando Henrique, Itamar Franco, Fernando Collor e José Sarney, havia ministros de primeira e de segunda classe, conforme suas performances, mas compareciam todos nas manchetes de jornal e nas telinhas. Não se omitiam. Agora, o risco é da existência de um monte de não-ministros.
�
A pergunta que se faz é se essa evidência favorece ou prejudica o governo. Porque em administração, tanto quanto na política, não há espaços vazios. Além de presidente da República, Dilma Rousseff tem sido a ministra de todos os ministérios, a diretora de todos os departamentos e a chefe de todas as seções do serviço público, além de presidir e dirigir todas as empresas estatais. Por isso, não raro, permanece até onze horas da noite em seu gabinete. Delegar não parece sua característica principal. O risco é de, preocupada com os detalhes, faltar-lhe tempo para o conjunto, quer dizer, preocupada com cada árvore, carece de condições para cuidar da floresta.
�
ESFORÇO INÓCUO?�
�
Mais pelo exemplo, menos por ucasses, os presidentes do Senado e da Câmara pretendem que a semana parlamentar hoje iniciada não se transforme num vazio. José Sarney e Marco Maia permanecerão em Brasília até sábado, imaginando estimular a que deputados e senadores façam o mesmo, dedicando-se às suas funções nas comissões técnicas e nos plenários.
A próxima semana, do Carnaval, pode considerar-se perdida. Só por milagre a maioria do Congresso virá à capital federal na quarta-feira de cinzas. Nem no dia seguinte. Mas esta semana, pelo menos, poderia apresentar alguns resultados em matéria de debates, encaminhamentos e até votações. Reunião das mesas e dos líderes dos partidos, previstas para as duas casas, poderiam constituir-se num bom começo, mas garantir que haja número, nenhum dos dois presidentes garante. Eles, pelo menos, estarão em seus gabinetes.
�
NEM LEI VELHA NEM LEI NOVA�
�
Imprevisão demonstrou o Supremo Tribunal Federal quando, ano passado, considerou revogada a Lei de Imprensa, resquício dos tempos da ditadura, sancionada em fevereiro de 1967. Mesmo aprovada pelo Congresso, ela foi votada em plena vigência do AI-2, quer dizer, deputados e senadores podiam ser cassados e o Legislativo, fechado, como fora em 1966. Uma lei espúria, contendo artigos que permitiam a censura e punições a jornalistas por crime de opinião.
�
Mesmo assim… Mesmo assim, o texto continha imprescindíveis instrumentos garantidores de óbvios direitos, como o de resposta, de retratação e de defesa do cidadão contra os crimes de calúnia, difamação e injúria.
�
Acresce que os artigos celerados haviam sido revogados pela Constituição de 1988. Não valiam mais, com base no princípio universal de que a Lei Maior prevalece sobre a Lei Menor. Como a democrática nova carta preceituou a plena liberdade de expressão e de imprensa, proibindo qualquer tipo de censura, estava claro não valerem mais os princípios ditatoriais do texto inicial.�
�
Apesar disso, movida por uma ação do deputado Miro Teixeira, a mais alta corte nacional de justiça resolveu revogar tudo. Não haveria mais Lei de Imprensa, mesmo diante do fato de que um abuso praticado através de jornais, rádio e televisão continha potencial de prejuízo mil vezes maior do que um abuso praticado na mesa do botequim. O resultado é que ficamos sem regulamentação do direito de resposta.
Se um cidadão sente-se prejudicado com uma notícia, carece de mecanismos para exigir do veículo de comunicação a retificação do que foi divulgado. Fica a cargo do juiz singular estabelecer diversas e até conflitantes formas de fazer justiça. Tudo porque o Supremo revogou a lei inteira, sem prever a utilização dos artigos necessários ao relacionamento da imprensa com a sociedade. Pelo menos até que uma nova lei fosse elaborada pelo Congresso. E aqui vem a maior imprevisão de todas: os doutos e meretíssimos ministros não contaram com a hipótese de deputados e senadores fugirem da votação de uma nova Lei de Imprensa como o diabo foge da cruz. Não querem criar dificuldades, mesmo as justas, aos donos da mídia.
Precisariam, por exemplo, estabelecer mecanismos para defender o indivíduo e a família dos excessos da programação do rádio e da televisão, como determina a Constituição. Ninguém teve e ninguém terá coragem, na Câmara e no Senado, de propor semelhante obstáculo ao faturamento das emissoras. A conseqüência seria o autor ver-se banido do noticiário, isto é, o fim de sua carreira política.
�
Em suma, sem a lei nova nem a lei velha, mesmo expurgada dos excessos, navegamos sem rumo até o próximo rochedo…
Fonte: Tribuna da Imprensa