Pedro do Coutto
As manchetes dramáticas de O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo de terça-feira destacaram o bombardeio e assim o assassinato ordenado pelo ditador Muamar Kadafi, há 40 anos no poder absoluto, contra a população civil que, em massa, nas ruas e praças de Trípoli, lutavam – e lutam – por sua saída definitiva de cena. A multidão, mais uma vez na História, vai vencer pagando o preço do sangue dos mártires que, desarmados, propõem apenas o direito de existir dignamente. Tal direito vem sendo negado pelo ainda dono da Líbia, um dos grandes produtores de petróleo do mundo.
Pois se não houvesse motivo concreto, o povo não teria encontrado a atmosfera indispensável para gritar pela liberdade. Kadafi vive suas últimas horas no governo. Não há dúvida. Ninguém consegue se manter à custa do sacrifício de vidas humanas. Kadafi mandando assassinar os manifestantes repetiu Hitler que, em abril de 45, mandou inundar o metrô de Berlim para dificultar o avanço das tropas russas que se aproximavam do bunker onde se encontrava. Aproximava-se o cerco final ao que Churchill chamava de o covil dos abutres.
A inundação matou milhares de pessoas que se refugiavam dos bombardeios e tentavam ao mesmo tempo escapar da fúria dos soviéticos. A antiga URSS perdera 17 milhões de pessoas na invasão de 41 rechaçada em 44, sob o comando dos generais Zucov, Koniev, Timochenco e também do “general inverno”. Esta já havia derrotado Napoleão no início do século 19.
Se assassinar civis (e também militares) garantisse alguém no poder as ditaduras mais cruéis não teriam desabado nos capítulos do tempo. Os fatos provam o contrário. A força do direito, mesmo através das armas, termina sempre vencendo o direito da força. Não há poderoso que resista a expor seu povo ao massacre. Quando Hitler, já em desespero, logo após o atentado articulado pelo coronel Von Klauss, convocou adolescentes imberbes e lhes entregou armamentos militares, na realidade os estava condenando à morte. Dez meses depois, final de abril, pouco antes da rendição a 8 de maio, cercado definitivamente, suicidou-se.
Não se pode saber hoje – escrevo este artigo na própria terça-feira – qual será o destino pessoal de Kadafi, encerrando seu longo ciclo ditatorial. Mas não se manterá. A crise é de tal profundidade que o vice-embaixador líbio na ONU pediu sua renúncia. E os embaixadores da Líbia na China, India e na Liga Árabe abandonaram os postos e solicitaram asilo. Não existe, portanto, a menor condição de Kadafi ultrapassar esta página negra e, no dia seguinte, emergir no palácio como se nada houvesse acontecido.
As coisas não são assim. Tudo é consequência. Para todos os atos existe sempre o dia seguinte. O horizonte de Kadafi é negro. Pois até pilotos que se recusaram a cumprir as ordens de bombardear a população civil decolaram rumo à república de Malta para se asilar. Com isso ficou evidente que a rebelião estendeu-se às forças armadas. Em consequência da crise, o preço do petróleo subiu de 80 para 100 dólares o barril.
Se o Brasil fosse – como era antigamente – importador, e não autossuficiente, os reflexos cambiais seriam enormes. Enormes e negativos para nossa economia. Este, inclusive, é outro ângulo da questão. Um aumento em torno de 25% leva obrigatoriamente a uma rearticulação por parte dos grandes importadores, essencialmente Alemanha e Japão. Já que atrás de todo fato político encontra-se sempre uma questão econômica.
Kadafi vive, como aconteceu com Hitler, suas últimas horas ou dias no poder que desejou perpetuar e que está desabando. Aliás como todas as ditaduras. A queda e a morte são o destino dos ditadores.