Escrito por Frei Marcos Sassatelli | |
25-Fev-2011 | |
Nesses dias assistimos a um espetáculo político deprimente: a discussão sobre o salário mínimo por parte do governo e dos parlamentares.
Antes de tudo, podemos constatar a maneira autoritária e desrespeitosa como o governo conversou com os sindicatos e as centrais sindicais. O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), representante da presidenta Dilma na negociação, disse que não "levará em conta" os protestos. "Na questão do mínimo, nós entendemos que não há mais negociação. Vamos reafirmar os R$ 545. Se tivéssemos folga e uma situação fiscal tranqüila, poderíamos ser mais generosos". Que cinismo! O ministro sabe muito bem - embora finja não saber - que um salário mínimo digno não é uma questão de generosidade do governo, mas direito dos trabalhadores.
O próprio ex-presidente Lula - que, como ex-trabalhador, deveria conhecer a vida dos trabalhadores - saiu em defesa de Dilma e criticou o "oportunismo" dos sindicatos na negociação pelo reajuste do salário mínimo (Cf. Folha de S. Paulo, 09/02/11, p. A4). Será que o "oportunismo" não é do governo? Será que o ex-presidente Lula, deslumbrado pelo poder, e o próprio partido, dito "dos Trabalhadores", não precisam refrescar a memória sobre a vida subumana da grande maioria dos trabalhadores? Ou será que as "cataratas" impedem os parlamentares do PT e seus aliados de enxergar a realidade?
Na discussão sobre o salário mínimo, os parlamentares debocham da inteligência do povo. Em geral - com raras exceções - não têm nenhuma preocupação com a vida e as necessidades básicas dos trabalhadores e de suas famílias. O "é dando que se recebe", ou, em outras palavras, o "toma lá e dá cá" é a questão central do debate. Trata-se de uma barganha que visa somente os interesses pessoais e de grupos.
Há pelo menos 40 anos que, nessa farsa toda, os parlamentares afirmam na imprensa, com desfaçatez e cinismo, que é preciso estabelecer uma meta de recuperação de salário mínimo, mas nada ou quase nada fazem. É sempre a mesma enrolação e a mesma enganação ao povo. Só mudam os atores. Aqueles que, antes de chegar ao poder defendiam, em alto e bom som, um salário mínimo que atendesse às necessidades básicas dos trabalhadores (como, por exemplo, o Vicentinho, relator do projeto), agora defendem um salário mínimo de fome. É a total falta de vergonha e, sobretudo, a total falta de ética.
Para comprovar o que estamos dizendo, basta citar algumas manchetes de jornal: "Partido (PMDB) cobra reconhecimento depois de exibir força na votação do mínimo"; "Governo retribui apoio do PMDB com cargos na Caixa"; "Recompensa aos aliados: peemedebistas devem ganhar cargos após aprovação do mínimo no Congresso"; "Partidos (PT, PMDB e até mesmo PDT) duelam por indicações na cúpula do Banco do Brasil". E mais: "Dilma esperava a votação do mínimo para definir nomeações"; "Com a aprovação do salário mínimo de R$ 545, os peemedebistas praticamente garantiram a nomeação do vice-presidente de Agronegócios. A sigla votou em peso com o governo. Já o PDT, que também queria o Agronegócios ou a vice-presidência do governo, não deve levar nada por enquanto. Nove de seus deputados votaram contra o mínimo" (Folha de S. Paulo, 18/02/11, p. A4).
Ler isso na imprensa é realmente repugnante, dá vontade de vomitar. É uma pouca vergonha deslavada. Essa disputa por cargos - diga-se de passagem - não é certamente motivada pela abnegação e pelo desejo de servir ao bem comum, sobretudo aos mais pobres e necessitados.
Não adianta o ministro Guido Mantega afirmar que o valor do salário mínimo não pode ser maior do que R$ 545 para "garantir o equilíbrio fiscal" do Orçamento Público. Por que o ministro não teve a mesma preocupação na hora de votar, desavergonhada e acintosamente, o aumento salarial dos parlamentares e dos governantes? É muita cara de pau!
Não adianta nada, também, os parlamentares usarem de sofismas e artifícios legais, fazendo todo tipo de malabarismos. A questão do salário mínimo é só uma questão de opção política, é só uma questão de priorizar os interesses dos trabalhadores (e não dos detentores do poder econômico, como os banqueiros que, em 2010, tiveram um lucro maior que nos anos anteriores).
Por que não se cumpre simplesmente a Constituição Federal? Para que ela existe? Entre os direitos dos trabalhadores, a Constituição Federal enumera: "Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim" (Art. 7, IV).
Quando os pobres "desobedecem" à Constituição Federal (sobretudo no tocante à "lei da propriedade privada") e às outras leis, são presos, processados e vão para a cadeia. Infelizmente, nós sabemos que a cadeia está cheia de pobres "desobedientes" (pequenas "desobediências") e não de ricos "desobedientes" (grandes "desobediências"). Por que os governantes e os parlamentares, que "desobedecem" à Constituição Federal e às outras leis, não são também presos, processados e vão para a cadeia? A Constituição Federal e as outras leis não existem para todos? Que descaramento!
Só para citar um exemplo, vejam novo absurdo: ao mesmo tempo em que o governo defende um salário mínimo de R$ 545, anuncia a injeção de R$ 10 bilhões de recursos da Caixa para o banco PanAmericano. Está muito clara a opção política do governo. Embora sabendo que a política do PSDB é igual ou pior à do PT, sou obrigado a concordar com o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), quando afirma: "O PT mostra que escolheu seus amigos e já pode até mudar de nome: Partido do Capital Financeiro" (Folha de S. Paulo, ib.)..
Em valores de dezembro de 2010, o salário mínimo necessário para garantir os direitos dos trabalhadores, estabelecidos na Constituição Federal, deveria ser de R$ 2.227,53 (DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos).
Por que os sindicatos e as centrais sindicais – que em conjunto com os Movimentos populares (como o MST, a UNE e outros) iniciaram a negociação defendendo o valor de R$ 580 para o salário mínimo, o que mesmo assim continuaria sendo uma afronta à dignidade dos trabalhadores - não se unem, não se organizam e não assumem uma posição mais combativa?
Ou seja, uma posição de resistência e de tolerância zero a esse rolo compressor do governo que, por ser criminosamente aliado ao poder econômico e covardemente submisso a seus interesses, suga o sangue dos trabalhadores, matando-os aos poucos. Por que não fazem uma greve geral por tempo indeterminado? Ou, num governo dito "popular" as palavras "greve geral" são proibidas?
Será que os sindicatos e as centrais sindicais se esqueceram que, depois de esgotadas todas as tentativas de diálogo, a greve geral é um direito sagrado dos trabalhadores? Lembrem-se do slogan, que outrora empolgou os Sindicatos e os Movimentos Populares: "trabalhador unido, jamais será vencido"! É na união que se constrói o Poder Popular.
Frei Marcos Sassatelli, Frade Dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e membro da Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO, Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia e administrador paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra. E-mail: mpsassatelli@uol.com.br |
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sábado, fevereiro 26, 2011
A questão do salário mínimo: um espetáculo político deprimente
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