Atentado a Vargas na Rio-Petrópolis. Ele desistiu à última hora, morreram todos no carro, menos Dona Darcy, que quase perdeu as duas pernas e a vida, salva por Pedro Ernesto.
Antonio Santos Aquino: “Hélio, três coisas no teu artigo me chamaram a reflexão. Primeiro – É verdade que Pedro Ernesto evitou (usando o bisturi elétrico, eliminando tecidos necrosados), que Dona Darcy tivesse que amputar uma perna. Segundo – É muito difícil acreditar que Getúlio tenha exigido de Pedro Ernesto uma carta renunciando por antecipação, uma possível candidatura três anos depois. Principalmente, esta carta passando pelas mãos de Oswaldo Aranha, que escrevia de próprio punho, sobre, todos os acontecimentos.
Escrevia para sua esposa dona Vindinha, para seu pai, sua mãe, seus irmãos, seus cunhados, falando sobre todos os acontecimentos. Depois de sua morte, seu arquivo, mostrou-se gigantesco. Era um hábito, muito arraigado que tinha. Escrever de próprio punho sobre todos os acontecimentos que tomava parte. Até dos campos de batalha escrevia. Acho que uma carta dessas, sobre Pedro Ernesto, ele não deixaria de registrar em qualquer lugar. Naturalmente, você como profissional da informação, tem fontes que outros não têm.
Terceiro – Sobre o atentado. Veja, agora mesmo, uma tragédia abateu-se sobre Petrópolis. Causa: Desbarrancamento, deslizamento de terra, rolamento de pedras de todos os tamanhos. É difícil acreditar em um atentado, com uma pessoa ou algumas pessoas, empurrando uma pedra de 200 quilos, para, rolando de ladeira abaixo em ziguezague, atingir um carro a trezentos metros de distância, que sobe uma estrada em aclive. Desculpa, não tenho como acreditar.”
Comentário de Helio Fernandes:
É impressionante, Aquino, como você sabe das coisas. Embora muitas vezes não acredite nelas, contradiga ou contrarie a você mesmo. De qualquer maneira, retifiquemos e complementemos alguns fatos, sem discordar de você, respeitando a lógica e as três reflexões principais, como você dividiu.
Concordou com a participação do então prefeito eleito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, que segundo você, teria evitado a amputação de uma das pernas da extraordinária Primeira-Dama. Foram as duas, Aquino, e o aparelho que você disse que ele utilizou, não havia nem sido inventado naquela época.
Vargas não EXIGIU que o então grande amigo escrevesse carta DESISTINDO DE UMA ELEIÇÃO QUE SÓ SE REALIZARIA DENTRO DE 3 ANOS. Faltava apenas 1 ano para o 3 de outubro de 1938, data marcada para a eleição.
Prestes foi preso em março de 1936, Pedro Ernesto em julho/agosto do mesmo ano. Ficou na cadeia até maio de 1937, quando ganhou força o movimento para libertá-lo. Portanto, 1 ano depois, a eleição, e quem dizia ou esperava que a primeira eleição direta da República iria se realizar?
Depois de escrever a carta e entregá-la a Osvaldo Aranha, em setembro, Prestes deixou a prisão, mas inteiramente aniquilado. E nessa época já existiam dois candidatos “aprovados” por Vargas. De oposição, Armando Salles de Oliveira, e do governo, Ha!Ha!Ha!, José Américo.
Enquanto isso, o Ministro interino da Justiça, Negrão de Lima, percorria o país, “convidando” os governadores a apoiarem o “Estado Novo”. Apenas três não concordaram, Lima Cavalcanti (Pernambuco), Flores da Cunha (Rio Grande do Sul), Juracy Magalhães (Bahia). Não me aprofundarei nesse fato, mas em outra oportunidade o farei, é fascinante.
Os outros 18 aceitaram, veio a ditadura de 37, Negrão de Lima foi feito embaixador. Ainda não existia oficializada, a “carreira” diplomática, o Rio Branco só seria criado em 1938, a turma inicial sairiam em 1941.
Quanto a Osvaldo Aranha, Aquino, é possível encontrar outro jornalista que tivesse a admiração que eu tinha por ele, mais é impossível. Foi um estadista verdadeiro, não chegou a presidente porque Vargas não deixou. Não sobrava espaço para ele. Basta dizer o seguinte, rapidamente.
Depois de 30, Aranha ocupou praticamente todos os ministérios, começando pela Justiça, em 1931, Fazenda, Exterior, tudo, tudo. Apoiava sempre Vargas, às vezes divergia, numa dessas divergências mais fortes, Vargas disse a Osvaldo Aranha: “Preciso de você como embaixador nos EUA”. Aranha foi, sabia que era apenas “figuração” de Vargas.
Depois de derrubada a ditadura, dois homens investigados, absolvidos e exaltados. O próprio Aranha, Embaixador na ONU, que presidiu em 1948. E o grande Henrique Dodsworth, professor duas vezes catedrático do Pedro II, Prefeito do Distrito federal de 1937 a 1945, Embaixador em Portugal. É rotina dizer, mas tem que ser dito: “Honra ao mérito”.
Quanto ao fato de você dizer que entre milhares de cartas, artigos, documentos diversos do arquivo do grande estadista, não conste (ou constasse) a carta de Pedro Ernesto exigida por Vargas. A resposta está no teu próprio texto: “Eram milhares de documentos”, a carta poderia ter passado desapercebida. Ou extraviada.
Agora, o atentado propriamente dito, que você colocou como o último capítulo da tua notável correspondência. Existe a VERSÃO da História, que não pode ser desmentida, a VISÃO de Helio Fernandes e a tua, Antonio Santos Aquino, que pode ser discutido, debatida, contraditada.
Vargas “herdou” de Washington Luiz a paixão por Petrópolis. Sendo gaúcho, o calor do verão carioca, insuportável. Gostava de ir de carro aberto, um conversível belíssimo, que ficou anos guardado como relíquia. Ia nos fins de semana, quando podia, já “subia” nas quintas-feiras.
No dia do atentado, era uma quinta-feira, teve que cancelar a ida, compromissos presidenciais; Comunicou a Dona Darcy, avisou: “O Gabriel Monteiro da Silva (Chefe da Casa Civil) vai com você”.
No ponto mais alto da Rio Petrópolis, (880 metros, o carro naturalmente diminuía a marcha, Getúlio não gostava que fossem em velocidade), um grupo de 12 pessoas, deslocou uma pedra enorme, com mais de 200 quilos, e deixou-a bem na beirada. Bem informados, bastava que confirmassem a saída do carro, rolariam a pedra, que teria que atingir o centro do carro.
Não souberam que Vargas desistira (aí é apenas suposição), continuariam o plano ou esperariam nova oportunidade? Na hora estipulada, iam sendo avisados, despencaram a pedra, que caiu dentro do carro. Morreram todos, só Dona Darcy escapou, nas circunstâncias que já contamos.
O Chefe da Casa Civil, Gabriel Monteiro da Silva, que estava no lugar que seria ocupado por Vargas, morreu na hora. Na frente, o motorista, esmigalhado. E ao lado dele, o Ajudante de Ordens de Vargas, um Primeiro-Tenente do Exército, também não teve mais de um minuto de vida.
***
PS – As consequências. O Chefe da Casa Civil foi substituído por Lourival Fontes, um dos homens mais versáteis e de maior talento daquela época. Mas sem nenhum caráter, escrúpulo, lealdade. Ficou sendo poderoso personagem. Mas quando Vargas já estava sendo questionado, em 1945, pediu a Vargas para nomeá-lo Embaixador no México. Foi. Quando Vargas se elegeu em 1950, voltou para o cargo antigo.
PS2 – O novo Ajudante de Ordens de Vargas, foi um Capitão-Tenente, Ernane do Amaral Peixoto, irmão de outro oficial de Marinha, Augusto Amaral Peixoto, um dos líderes da revolta do encouraçado São Paulo, em 1922. (Aqui, nenhuma palavra. Se Aquino é informadíssimo em vários setores, o que dizer da sua própria base, a Marinha?)
PS3 – Insinuante, agradável, bom conversador (como sua carreira política, militar e eleitoral provaria), Amaral Peixoto logo começaria a namorar Alzira, uma das filhas de Vargas. Ela acabara de se formar em Direito, um colega de turma, o jovem Walter Moreira Salles. (Alzira e Enane não demoraram a se casar, casamento que durou 50 anos).
PS4 – Esse jovem Moreira Salles havia herdado um tamborete (como se dizia na época) em Poços de Caldas. Por causa da amizade com Alzira Vargas, fez notável carreira, (Diretor do Banco do Brasil, presidente da SUMOC, ainda não havia o Banco Central, Ministro da Fazenda, Embaixador nos EUA), que cargos e que fortuna. Das maiores da época.
PS5 – Para terminar, Aquino. Se alguém me perguntasse: “Helio, você acredita que 12 pessoas podem movimentar uma pedra, jogá-la pela ribanceira e cair exatamente no meio de um carro, a 300 metros de distancia, matando todos?”
PS6 – Como você, Aquino, é evidente que nem responderia. Mas como desdizer ou desfazer da História? Tudo o que está aí é fato, fato, com nomes e tudo. Um abraço.
Helio Fernandes/Tribuna da Imprensa
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terça-feira, fevereiro 01, 2011
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