Fernando Martins
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, na última quinta-feira, teve um detalhe que passou quase despercebido no noticiário, mas que é elucidativo sobre o Judiciário brasileiro. O ministro Marco Aurélio Mello, com sua retórica rebuscada, estava dando seu voto a favor da abertura de processo contra o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci – algo positivo para Francenildo. Porém, em sua simplicidade de homem do povo o caseiro não entendia nada do que estava sendo dito. “Isso é bom ou ruim?”, perguntou ele a determinada altura.
A fala empolada do ministro do Supremo, assim como o de grande parte dos juízes e advogados brasileiros, a despeito de mostrar erudição, revela na verdade um profundo distanciamento do sistema judiciário em relação à sociedade. Mostra uma despreocupação em fazer-se entender por quem não estudou Direito.
O juridiquês, aliás, é apenas um de vários sintomas dessa doença, que se manifesta também na lentidão dos julgamentos e na dificuldade de acesso do cidadão comum à Justiça. Quem não se lembra do lavrador de Cascavel que usava sandálias e foi retirado de uma audiência porque o juiz entendeu que ele não estava bem vestido para frequentar um tribunal? Ou então dos diversos poderosos que, embora respondam a inúmeros processos, nunca são condenados por terem bons advogados?
Têmis, a deusa-símbolo da Justiça, no Brasil parece não ter apenas os olhos tampados, mas também os ouvidos – já que não houve as ruas. Esse mal, aliás, já havia sido diagnosticado no início do século 20 pelo teórico alemão Max Weber, quando escreveu que a burocracia estatal tende a descolar-se da sociedade e avançar sobre ela.
Weber, considerado o pai da sociologia, definiu o Estado moderno como aquele que é regido por leis e normas teoricamente racionais que, por sua vez, devem ser resguardadas pela burocracia – entendida aqui como o corpo do funcionalismo público, do qual fazem parte os juízes.
Mas, segundo Weber, toda burocracia de Estado tende a se transformar em uma espécie de monstro que oprime ou explora a sociedade. O luxo das altas cortes brasileiras não seria um sintoma disso? E os inúmeros benefícios que parte dos magistrados se autoconcede?
O sociólogo alemão preconiza que, para escapar desse monstro burocrático, é preciso controle social. E isso deve ser feito por meio de eleições – ou seja, pela escolha de representantes da população para, temporariamente, definir os rumos que a burocracia deve tomar.
Nesse ponto o Judiciário brasileiro é, definitivamente, o poder mais atrasado e fechado na escolha de seus dirigentes. Vota-se para eleger governantes e parlamentares, mas não para magistrados ou promotores, como ocorre em países como os Estados Unidos. E, embora o Brasil tenha problemas tanto com os eleitos para o Executivo como para o Legislativo, esses dois poderes ainda assim são mais abertos do que o Judiciário. Talvez seja a hora de pensar em um pouco mais de democracia para arejar os tribunais.
Fernando Martins é jornalista.
Fonte: Gazeta do Povo
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