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sexta-feira, janeiro 02, 2009

Agir ético (2)

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - Xenófanes, pré-socrático, sustentava ser a Ética um monte de regras inventadas por estadistas interessados em dominar os semelhantes. Demócrito dizia que apenas com o conhecimento se chegaria ao exercício da Ética. Protágoras supunha a Ética incrustada na mente dos homens. Georgias de Leontino replicava afirmando que ela se baseava apenas nos sentidos. Sócrates concordou em que só o conhecimento conduzia ao comportamento ético, mas embaralhou as cartas ao acrescentar que o conhecimento também levava à anti-Ética, porque a força se transformara num direito, e a justiça, num interesse.
Platão defendeu a criação artificial de homens éticos. Para tanto certas crianças, fisicamente perfeitas, seriam separadas das mães e do convívio dos cidadãos comuns quando completassem sete anos. Aristóteles era, para Platão, o bezerro que ele havia criado e agora lhe dava coices, pois escreveu ser a Ética o caminho individual para a felicidade: o homem é ético para sentir-se bem com ele mesmo, pouco se importando com os resultados de seu comportamento na sociedade, se para aprimorá-la ou piorá-la.
Jesus, Paulo de Tarso, Santo Agostinho, Santo Thomaz de Aquino e depois os escolásticos misturaram a Ética com a religião. A Ética, para eles, visava ao reino dos céus, a "Cidade de Deus", não se constituindo num fim em si mesma, mas em princípios criados pelo Padre Eterno para conduzir os homens ao Paraíso.Maquiavel desprezou a Ética individual estabelecendo importar apenas o funcionamento do regime político, para o qual a Ética deveria estar voltada. Disse que a violência e a fraude muitas vezes poderiam ser éticas, desde que contribuíssem para o sucesso de um governo capaz de atender as necessidades dos governados. Sentimentos pessoais, inclinações e realizações íntimas não vinham ao caso.
Erasmo de Rotterdam melou o jogo ao comparar os monges a asnos, quando eles se preocupavam apenas com a forma e com os rituais, esquecendo-se do conteúdo, o indivíduo. A força motriz da Ética era, para ele, a busca da paz.
Thomaz Hobbes, aquele que sustentou ser o homem o lobo do homem, dizia ser ético por egoísmo: para que o colega do lado também fosse ético com ele. Spinoza confirmou que apenas seremos éticos dispondo do conhecimento, capaz de levar-nos à liberdade e à felicidade. Voltaire defendeu fundamentar-se a Ética nas boas intenções de homens ingênuos e pobres, como revanche contra os homens ricos e maus. Para Rousseau, se somos livres seremos obrigados e compelidos a ser éticos, e para Kant a Ética transcende o indivíduo, existindo como valor universal.
Para Hegel, a Ética visa unificar a conduta e o caráter. Marx atrela a Ética às lutas de classe. Nega a universalidade da Ética e fala que a Ética do operário jamais será a Ética do patrão. Nietsche criou a Ética da violência, ou seja, ético é o que luta, vence e sobrevive. O que perde e fracassa não é ético. Max Weber estabelece a Ética do lucro e da avareza: ético é ganhar dinheiro. Jacques Maritain volta a Aristóteles. Para ele, a Ética se localiza no âmago do indivíduo, não na experiência nem nas exigências do mundo à nossa volta.
Somos éticos para nos realizarmos internamente, e essa realização leva ao bem-comum. Marcuse ensina a necessidade de ser ético através da satisfação das necessidades do indivíduo e da sociedade. Noam Chomsky, nos dias de hoje, condena a Ética do capitalismo, que destrói a Ética do cidadão.
Quem quiser que opte por uma dessas teorias, ou por milhares de outras igualmente originais e conflitantes. Ou será melhor misturar algumas? Quem sabe criar outras? Já se disse que um gigante vê o horizonte melhor do que alguém de estatura média, mas um anão colocado sobre os ombros do gigante não verá mais longe ainda?
É preciso distinguir a Ética, como ciência do comportamento humano, de outros valores encontrados na sociedade. Não há uma resposta para todas as perguntas. Inexistem as verdades absolutas, mas a Ética, e vai ai uma afirmação que pode ser contestada, é universal. Não varia no tempo nem no espaço, ainda que novas situações éticas estejam sempre sendo criadas. Décadas atrás não havia a Ética cibernética, porque não havia computadores. Hoje, a Ética condena os hakers, como condena quantos se dediquem a espalhar vírus pelos computadores alheios.
O que varia no tempo e no espaço é a Moral, irmã mais nova e mais frágil da Ética. Como sempre, valem os exemplos: na década de cinqüenta eram levadas pelos camburões da polícia, presas como prostitutas, as moças que ousavam ir à praia usando biquínis. As mães tapavam os olhos dos filhos adolescentes, os moleques jogavam areia e vaiavam a moda. Hoje, além do biquíni, aí estão o monoquíni e até o "nãoquini". Da mesma forma, em nossa sociedade ocidental, um homem só pode estar oficialmente casado com uma mulher, e vice-versa. Tomando um avião e descendo em Riad, na Arábia Saudita, veremos que um homem pode estar casado com quantas mulheres possa sustentar, num máximo de seis...
A Moral varia temporal e geograficamente enquanto a Ética permanece imutável em seus princípios, não obstante inúmeras teorias em sentido contrário. Não se negará, porém, que utilizamos nossa liberdade para nos comportarmos em sociedade segundo normas que valeram para nossos antepassados e valerão para nossos descendentes, ainda que, importa a repetição, novas situações éticas continuem sendo criadas.
Há complicações. A Ética dos governantes pode ensejar-lhes, porque são governantes, a não revelar aos governados todos os detalhes de planos ainda em elaboração, porque, revelados prematuramente, fracassariam. A Ética dos cientistas e pesquisadores, ao contrário, obriga-os a revelar tudo o que descobriram. Uma idéia, depois de pensada, não pertence mais a quem pensou. Pertence à sociedade, porque para pensar e pesquisar ele nasceu, foi criado e sustentado pela sociedade. Por isso, será anti-Ético guardar a sete chaves a fórmula para a cura do câncer ou da Aids.
Fonte: Tribuna da Imprensa

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