Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Ética, o que é? Para início de conversa, uma ciência. E como os jornalistas são obrigados a conhecer com relativa perfeição o significado das palavras, vamos de início buscar o que seja ciência: nada além de conhecimentos sobre determinado tema, objeto ou valor, acumulados através do tempo pela observação, o raciocínio e a experiência, portanto sistematizados, catalogados e em discussão permanente.
Durante milênios os pastores da Grécia Antiga passavam dias de cão, correndo atrás das ovelhas que quando o sol se punha iam dormir. Faltava sono imediato aos pastores, apesar de cansados. Deitavam-se na grama e punham-se a observar o céu, naquelas plagas, quase sempre limpo. De tanto olhar as estrelas, muito antes de Galileu inventar as lunetas, percebiam movimentos celestes. Uns astros brilhavam mais do que outros. Localizados numa parte do céu, no começo da noite, tinham ido embora pouco antes da alvorada.
Estes moviam-se dando a impressão de formar um carneiro, ainda que por conta de muita imaginação. Aqueles, por força da boa vontade, pareciam uma balança. Um touro. Até um caranguejo. Com o tempo e os comentários passados de pai para filho, muita superstição e poucas anotações, foi nascendo uma ciência. No caso, a Astronomia, acompanhada de sua prima misteriosa, a Astrologia. A parafernália eletrônica e cibernética das naves espaciais e dos Hubbles de hoje só fez seguir no caminho aberto pelos pastores.
Ética, pois, é uma ciência à medida que os homens começaram a observar e a teorizar sobre o comportamento dos homens. Passaram a se questionar, ou melhor, a questionar o vizinho. Por que uns cumpriam de uma forma o que achavam seu dever para com a sociedade, contribuindo para que as coisas andassem bem e até ajudavam o próximo, enquanto outros eram egoístas, perniciosos, injustos e presunçosos? O que levava o indivíduo a se comportar deste ou daquele jeito, e quais as regras gerais de comportamento mais aceitas pelo conjunto? Por que alguns espertos tentavam impor normas aos demais, livrando-se de cumpri-las?
Logo se chegou à conclusão de ser a liberdade o fator principal do comportamento humano, porque faltando-lhe a liberdade, o indivíduo ficava impedido de agir conforme sua própria vontade. Com ela, agia para melhorar ou para piorar o meio social onde vivia. Sem ela, impossibilitado de se comportar conforme sua determinação, transformava-se num escravo.
Vale outro exemplo. Suponha-se que hoje é sábado. Vemos no jornal que um cinema qualquer apresenta um filme que nos interessa. A sessão começa às quatro horas. Por volta de três e meia, até antes, saímos de casa, pegamos o carro, dirigimos com cuidado e chegamos ao local do cinema. Estacionamos, porque ainda há vagas. Entramos na fila, aguardamos nossa vez, compramos o bilhete. No saguão de espera, terminada a sessão anterior, abrem-se as portas da sala de projeção e escolhemos a poltrona que melhor nos agrada. Assistimos ao filme gostando ou não dele.
Esse ato singelo de ir ao cinema serviu para que usássemos nossa liberdade não apenas para nossa satisfação de assistir a um filme, mas também para que a sessão de cinema funcionasse naturalmente.
Agora, todos nós conhecemos o Gerson, aquele que gosta de levar vantagem em tudo, com as devidas desculpas ao grande craque do passado. É aquele espertinho que deixará para sair de casa cinco minutos antes do início da sessão. Dirige feito um louco, avança semáforos, atropela velhinhas e, ao estacionar, tranca dois ou três carros que não poderão mais sair.
Diante da longa fila, ele, que não entra em filas, dirige-se aos primeiros colocados, próximos da bilheteria. Com dinheiro na mão, pede e até intimida um indigitado qualquer a comprar a sua entrada. Sai correndo, atropela todo mundo, apela para os cotovelos e chega à sala de projeção, deslocando uma jovem que já ia sentar. Aos berros, exige que o espetáculo comece, incomodando vizinhos e perturbando o conjunto. E vai por aí.
Já imaginaram se todos agissem assim? Um mundo povoado apenas de Gersons, cada um utilizando sua liberdade para chegar atrasado, furar a fila e disputar pela força um lugar no cinema? Seria um tumulto tão grande, com entreveros, portas de vidro quebradas e aglomeração inusitada que o gerente seria obrigado a cancelar a sessão e chamar a polícia...
Por que somos éticos? Encontram-se aos milhares as correntes dedicadas a analisar a Ética, desde tempos imemoriais. Somos éticos para que a sociedade funcione bem? Para nos sentirmos bem, internamente? Para agradar ao próximo? Para obrigar o colega do lado a também ser ético? As teorias fluem e refluem, chocam-se, despertam seus contrários e jamais se encontrará nelas a verdade absoluta, a resposta final para a questão. Ética não é uma ciência exata.
Mesmo inconscientemente, quando a temos, usamos nossa liberdade para atingir algum fim, qualquer que seja ele. (Continua amanhã.)
Fonte: Tribuna da Imprensa
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quinta-feira, janeiro 01, 2009
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