Luiz Flávio Gomes
A Súmula Vinculante 11 do STF (Supremo Tribunal Federal) diz: “só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.A súmula que acaba de ser transcrita constitui reação do STF a duas coisas: a alguns abusos, sobretudo da Polícia Federal, e à omissão legislativa do Estado (que jamais editou o decreto exigido pelo artigo 199 da Lei de Execução Penal). Não há dúvida que em sua interpretação deve preponderar o bom senso, ou seja, a razoabilidade (que requer: necessidade da medida, adequação e relação ponderada do custo e benefício). De acordo com nossa opinião o STF não extrapolou suas competências (nem tampouco invadiu o terreno do legislativo) porque retratou, na súmula, precisamente o que já está contemplado em normas esparsas do nosso ordenamento jurídico (Código de Processo Penal Militar, artigo 292 e 474 do Código de Processo Penal, artigo 199 da LEP etc.). De outro lado, há vários precedentes sobre o assunto (três, pelo menos, no STF e vários no STJ).Por detrás da polêmica o que existe mesmo é um debate ideológico: segurança versus liberdade. Para a primeira corrente, as algemas são conseqüência natural de toda prisão; para a segunda o seu uso deve ser excepcional (por esse caminho seguiu a Súmula 11).Entretanto, na prática, para não haver riscos, deve-se utilizar as algemas (justificando-se posteriormente), mesmo que na dúvida. Todavia, jamais será concebível esse uso como instrumento de humilhação, com meio infamante ou degradante.A presença da mídia (que é “chamada” muitas vezes ao local) transforma a prisão (e as algemas) numa “espetacularização”. Nisso reside a denominada “midiatização da polícia” (e da Justiça). A mídia vive (em geral) do espetáculo, do estapafúrdio, do bizarro. É ela a responsável pelo “pelourinho televisivo”, que vem sendo admitido por alguns agentes públicos como a única (ou a principal parte da) pena a ser imposta ao réu.Não se confia no funcionamento da Justiça. Acredita-se que o escândalo seja o único meio de punir os poderosos. Num país onde não há tanta confiança na Justiça, só resta causar vergonha no criminoso (Da Matta, em O Estado de S. Paulo de 02 de setembro de 2007, página A14). A Súmula Vinculante 11 foi editada para evitar esse tipo de abuso da mídia (que conta muitas vezes com a conivência da polícia). A unanimidade alcançada dentro do STF (apesar da heterogeneidade dos seus componentes) bem retrata o quanto os ministros da nossa mais alta Corte se chocaram com as cenas infamantes contra Flávio Maluf, o ex-presidente do TJ-RO (Tribunal de Justiça de Rondônia), Pitta, Daniel Dantas, Naji Nahas, Jader Barbalho etc.Esses excessos poderão ser devidamente controlados agora, depois da edição da Súmula Vinculante 11, em razão da obrigatoriedade de fundamentação escrita da excepcionalidade do uso das algemas. O que antes era só um ato administrativo gestual, agora passou a exigir explicação escrita (elaborada a posterior). A prisão, mesmo legal em seu princípio, torna-se humilhante e vexatória (ou seja: ilegal) quando há abuso das algemas. A prisão não autoriza todo tipo de constrangimento. O sujeito preso perde um dos seus direitos (a liberdade), mas não pode ser objeto de humilhação (exposição pública, execração popular).O plus da humilhação (da execração) deriva do puro espetáculo (isto é, nada mais é que emanação do direito penal do inimigo). O uso de algemas, por expressa determinação legal, deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso.É abominável o direito penal da humilhação (típico do Estado de polícia, que exerce o chamado poder punitivo interno bruto). O uso infamante das algemas constitui abuso que, agora, pode ser denunciado diretamente ao STF, por meio de reclamação.O excesso do agente público, de outro lado, pode configurar “abuso de autoridade”, nos termos dos artigos. 3º, i (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, b (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei) da Lei 4.898/65 (lei do abuso de autoridade).Além da configuração do delito de abuso de autoridade, importante sublinhar que, agora, também depois da Súmula Vinculante 11, a prisão em flagrante torna-se ilegal (e abusiva) justamente quando o uso das algemas não foi adequado. A prisão ilegal deve ser relaxada, por força de mandamento constitucional. O STF, como se vê, não proibiu o uso das algemas. Apenas o colocou dentro de regras estritas. Não é certo que o STF atou as mãos da polícia, mas agora ela precisa justificar o uso delas. Não se pretende a criação ou o incremento de riscos para os policiais, juízes etc. O que se deseja é o equilíbrio, a sensatez (a razoabilidade).A súmula era necessária para chamar a atenção de todos que no Estado de direito constitucional não existe ninguém soberano. Todos devem atuar com razoabilidade. Caso o Poder Legislativo, numa espécie de reação emocional, venha a aprovar alguma lei sobre o assunto, deve ficar atento para não incorrer em excesso. Qualquer inconstitucionalidade será declarada imediatamente pelo STF (que é o “senhor do direito” no século XXI).
Fonte: Última Instância
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