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terça-feira, julho 30, 2024

Deus e o diabo na terra do Estado laico, onde somente o voto salva

Publicado em 30 de julho de 2024 por Tribuna da Internet

Quadrinho 1 - Armandinho pergunta ao pai:- Pai, né que o estado deve ser lacaio?
Quadrinho 2 - pai responde:
- Não, filho, o estado deve ser laico. 
Armandinho afirma:
- Isso! Isso!
Quadrinho 3 - pai fala:
- Pior é que não é só você que confunde...
Armandinho fala para o seu sapo de estimação:
- Laico! Laico!

Tirinha do Armandinho * Autor – Alexandre Beck

Eduardo Affonso
O Globo

Deus pode até estar em todos os lugares, mas em nenhum é tão onipresente como na política. Bolsonaro o tinha como cabo eleitoral, encabeçando uma versão revista e recauchutada da Santíssima Trindade: “Deus, pátria e família” — sendo a pátria a crucificada, e a família seu próprio clã. Ainda que o Brasil estivesse acima de tudo, Deus estava acima de todos.

Tão acima que, apesar de onisciente, não perceberia as rachadinhas, o comportamento criminoso durante a pandemia, a devastação ambiental, a venda das joias, a incitação ao golpe e uma penca de outros pecados passíveis de penitência bem maior que dois pais-nossos e quatro ave-marias.

SEM PRECONCEITO – Como quem acende uma vela para si mesmo e outra para o diabo, Deus não tem preconceito ideológico nem desampara quem o procure. Lula garante que sua volta ao poder foi coisa d’Ele — cometendo a heresia do machismo linguístico ao chamá-lo de “o homem lá de cima” (linguagem neutra, só no discurso escrito, né?).

— Vocês votarem em mim foi ato de fé, de coragem, que um milagre estava para acontecer nesse país — declarou, com um olho na Bíblia e outro na urna. — Deus não é mentira; é a verdade, e não pode usar em vão como eles usam todo santo dia — completou, usando o nome em vão, como faz todo santo dia.

Políticos sabem que, numa democracia, só o voto salva — e o caminho mais curto para a salvação passa pela oferenda, pelo dízimo, pelo confessionário. Há mais ateus num avião em queda livre que em campanha eleitoral. Que o digam Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso.

FÉ POLÍTICA – Sarney (rico governador do estado mais pobre do país, chefe de um governo pródigo em nepotismo e corrupção) proibiu a exibição de “Je vous salue, Marie” (de Jean-Luc Godard) “para assegurar o direito de respeito à fé da maioria da população brasileira” — e mandou que Deus fosse louvado em todas as cédulas (uma excrescência que corre o risco de jamais ser revogada).

Ter cidadania brasileira não impede que Deus preste serviços fora daqui. Sua mão teria ajudado Maradona a fazer um gol decisivo nas quartas de final contra a Inglaterra, na Copa de 1986. E, segundo Donald Trump, foi Ele quem “evitou que o impensável acontecesse“ no atentado de 13/7. A mão divina não deve ser mais a mesma, porque a bala ainda pegou de raspão.

Nas hostes infernais da oposição ao Todo-Poderoso, os tinhosos, cabruncos e capirotos ganharam a companhia de duas novas entidades malignas: fascistas e comunistas.

TEMOS O CAPETA – “Temos um mal pela frente, um capeta que quer implantar o comunismo no nosso Brasil” — vociferou um. “Com Boulos eleito, poderemos dizer que nunca mais os fascistas vão governar essa cidade e esse país” — ululou o outro.

Além dos políticos, há mais uma categoria que tem certeza da inexistência de Deus. São os charlatães, que exploram a boa-fé alheia com “milagres” encenados para arrancar o dízimo — ou, como João de Deus, obter favores sexuais.

Eles não se arriscariam a arder no mármore do inferno por toda a eternidade, pagando pelos pecados da ganância, da soberba, da fraude, da luxúria se temessem a hora da verdade no Dia do Juízo.

DEUS É DELÍRIO? – Se Deus é um delírio, como foi definido por Richard Dawkins, o Brasil ainda deve demorar um pouco para sair do surto.

Quem melhor escreveu a respeito foi o compositor Chico César:

— Essa gente é o diabo e faz da vida de Deus um inferno.

Não só da vida d’Ele. Da nossa vida, também.


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