Publicado em 27 de julho de 2024 por Tribuna da Internet
Demétrio Magnoli
Folha
Maduro prometeu vencer as eleições “por bem ou por mal”. A Venezuela é uma ditadura singular, descrita pelo ditador como “união cívico-militar-policial”. Faltou esclarecer que a “união” é gerida por uma máfia cleptocrática apoiada na intimidação, na violência e em extensas redes de clientelismo. Celso Amorim, enviado por Lula, observará se o regime é capaz de aceitar, por bem, a derrota eleitoral avassaladora indicada pelas pesquisas.
O chavismo nasceu das urnas, numa revolução nacionalista pacífica concluída pela Constituição de 1999. Nela estavam as sementes da lenta transição da democracia representativa à democracia plebiscitária, ou seja, à tirania da maioria. Foi isso que Lula caracterizou, com uma ponta de inveja, como “democracia até demais”.
PODERES CRESCENTES – Na etapa inicial, Chávez representava a maioria, utilizando-a para enfeixar poderes crescentes, subordinando o Judiciário, as forças armadas, o serviço público e os veículos de comunicação.
À sombra do ciclo internacional de commodities, o petro-regime chavista conservou a hegemonia social sem recorrer à violência sistemática. Lula ofereceu-lhe amparo político e diplomático, tornando-se cúmplice da longa operação de erosão democrática.
O encerramento do ciclo econômico e a morte de Chávez, em 2013, inauguraram a era Maduro. O “bolivarianismo” perdeu sua base popular, sedimentando-se como ditadura devastadora. A falência venezuelana tem muitos índices, mas deve ser sintetizada num número: 7,7 milhões, um quarto da população total, fugiram do país na última década, num êxodo maior que o deflagrado pela guerra na Síria.
OPOSIÇÃO FORTE – Nas últimas eleições competitivas, realizadas em 2015, para a Assembleia Nacional, a oposição triunfou com 56% dos votos, contra 38% para o chavismo. Dois anos depois, o regime extirpou a Assembleia de seus poderes, substituindo-a por uma Constituinte oficialista. Maduro decidiu que vencer “por mal” era a única solução. E Lula seguiu fiel ao companheiro ditador.
O Acordo de Barbados, firmado entre o regime e a oposição, começou a ser costurado em maio de 2023, quando Lula recebeu Maduro em Brasília. A ditadura cambaleante precisava livrar-se das sanções dos EUA para reativar o setor petrolífero – e prometia, em troca, patrocinar eleições livres. Biden e Lula vestiram o figurino de fiadores diplomáticos do acordo, abrindo a via para o pleito deste domingo (28/7).
Maduro nunca pretendeu honrar o compromisso. Violando-o seguidamente, proibiu o acesso de observadores europeus, vetou a candidatura de Corina Machado e de sua substituta, Corina Yoris, providenciou ordens de prisão contra dezenas de opositores e bloqueou os sites independentes venezuelanos.
PESQUISAS CONFIRMAM – Cada um desses passos foi admitido, com silêncio resignado ou murmúrios ambivalentes, pelo fiador brasileiro. Contudo, apesar deles, as sondagens sugerem acachapante vitória de Edmundo Urrutia, o discreto diplomata convertido, na hora final, em candidato opositor.
A qualidade distintiva da democracia é a garantia de que os governantes derrotados não enfrentarão a vingança arbitrária dos oposicionistas triunfantes. Ditadores não têm o hábito de ceder o poder pacificamente pois temem a justa punição por seus crimes. É por isso que Maduro proclama a seus associados mafiosos que triunfará “por bem ou por mal”. Se o passado serve como bússola, Celso Amorim, o observador brasileiro, pouco se importa com a segunda alternativa.
Urrutia e Corina Machado descortinaram nos últimos dias, talvez tarde demais, uma proposta de anistia e reconciliação nacional. Os próceres da ditadura enfrentam acusações criminais nos EUA e no TPI. Lula poderia ter usado sua influência na articulação de um perdão internacional aos chefões chavistas, contribuindo para uma transição pacífica. Não o fez, confiando no triunfo de Maduro. Agora, resta-lhe apenas observar.