Foto: Valter Campanato/Arquivo/Agência Brasil
Alexandre Ramagem31 de julho de 2024 | 06:34Ramagem criou dossiê sobre caso Flávio 1 mês antes de Bolsonaro indicá-lo à PF
A Polícia Federal apreendeu um documento que indica que Alexandre Ramagem (PL) produziu para Jair Bolsonaro (PL), em março de 2020, um dossiê secreto com informações que visavam dar subsídio a ações para anular as investigações de “rachadinha” contra o senador Flávio Bolsonaro.
O arquivo digital, apreendido recentemente com Ramagem, foi criado um mês antes de o então diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), hoje pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro, ser escolhido por Bolsonaro para comandar a PF.
O dossiê de Ramagem, intitulado “Bom dia Presidente”, era formado, em linhas gerais, por afirmações sem provas de que Flávio foi levado para o centro do escândalo das “rachadinhas” em decorrência de acessos ilegais de seus dados fiscais por parte de funcionários da Receita Federal —foram reunidas informações de ao menos três desses servidores.
Essa tese, jamais provada, foi rechaçada oficialmente por investigação da Receita meses depois.
A escolha de Ramagem para comandar a PF acabou sendo barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), após Bolsonaro afirmar que pretendia usar o órgão de investigação como produtor de informações para suas tomadas de decisão.
Ramagem chefiou a segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, tornou-se amigo da família, diretor-geral da Abin e, atualmente, é deputado federal pelo PL e conta com o apoio dos Bolsonaros para a disputa à Prefeitura do Rio de Janeiro.
No depoimento tomado no ultimo dia 17 no âmbito das apurações da existência de uma suposta “Abin paralela”, a PF apresentou a Ramagem o documento apreendido em seus dispositivos eletrônicos.
Diante do questionamento sobre qual era a motivação e a necessidade de o presidente da República ser municiado pela Abin com informações relativas às investigações contra seu filho mais velho, Ramagem ora respondeu que não se recordava do documento, ora que costumava escrever textos de fontes abertas para comunicação de fatos de possível interesse de Bolsonaro.
Isso não significava, prosseguiu, que ele tivesse transmitido ao presidente da República “a totalidade ou parte dos argumentos que foram redigidos”.
Em manifestações anteriores e no depoimento à PF, Ramagem havia negado qualquer envolvimento com ilegalidades quando comandava a Abin. Sua defesa disse à Folha que ele não vai se manifestar neste momento. A defesa de Bolsonaro também não se pronunciou.
De acordo com as investigações da PF, o documento “Bom Dia Presidente” foi criado e alimentado por Ramagem de março de 2020 a março de 2021.
“Os metadados [do arquivo apreendido com Ramagem] indicam a construção do documento com as respectivas alterações para informar ao presidente da República sobre os auditores da Receita responsáveis pelo RIF [relatório de inteligência financeira] que deu causa à investigação do senador Flávio Bolsonaro”, diz relatório da PF sobre o depoimento de Ramagem.
O dossiê apreendido aponta, sem provas, dúvidas em relação à Operação Armadeira, que, em outubro de 2019, havia prendido o auditor da Receita Marco Aurélio da Silva Canal sob suspeita de extorsão contra investigados na Operação Lava Jato.
Na versão do documento, a operação teria como motivação, na verdade, a tentativa de desviar o foco de servidores que fariam parte do grupo de acesso ilegais a dados fiscais de contribuintes, o que incluiria os de Flávio Bolsonaro.
O texto lista, então, informações sobre os então chefes do Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal (Escor07), Christiano Paes Leme Botelho, do Escritório de Pesquisa e Investigação da 7ª Região Fiscal (Espei07), Cleber Homen da Silva, além do então corregedor-geral da Receita, José Pereira de Barros Neto.
O documento relata que os chefes dos escritórios na Receita no Rio estavam no cargo há anos e que isso só seria possível por omissão do corregedor-geral.
Em razão disso, prossegue, seria necessário “o detalhamento das irregularidades com apuração especial do Serpro [o órgão que detém os dados do Fisco] e acompanhamento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em Brasília”.
Na época, o procurador-geral da República era Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro e visto pela família presidencial como uma pessoa alinhada.
O documento que a PF diz ter sido criado pelo então chefe da Abin para municiar Bolsonaro de informações prossegue, sempre sem apresentar provas, dizendo que a Operação Armadeira havia, certamente, pego alguns “fiscais ladrões”, mas que ela consistia, na realidade, em uma “operação de marketing” patrocinada pelos supostos algozes dos Bolsonaros na Receita.
Esse grupo de servidores, diz o documento, também seria composto pelo então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto. Todos estariam “na marca do pênalti” para serem desmascarados por meio da apuração especial no Serpro.
“Estes necessitam portanto mostrar serviço e aparecer como combatedores de corrupção.”
A Receita de fato instaurou apuração sobre o caso, mas concluiu não haver fundamento na tese. Os três servidores da Receita também foram investigados, mas nada de irregular foi apontado.
Alvo da família Bolsonaro e do dossiê de Ramagem, o então chefe do Escor07, Christiano Paes Leme Botelho, acabou exonerado em dezembro de 2020. O secretário da Receita Tostes Neto foi exonerado em dezembro de 2021, também em meio a pressão dos Bolsonaros.
Ramagem e o ex-presidente estão no centro da apuração da PF sobre a existência de uma suposta “Abin paralela” durante a gestão passada com o intuito de espionar ilegalmente adversários políticos, magistrados e jornalistas.
Além do documento “Bom dia Presidente”, a PF encontrou com Ramagem arquivos em que o ex-diretor-geral da Abin fazia pregações contra a lisura do processo eleitoral brasileiro e favoráveis a rupturas, além de um dossiê de procuradores da República que seriam contrários a Bolsonaro e familiares.
Na avaliação de investigadores, o material colhido nas buscas realizadas reforça a suspeita de uso do órgão para a propagação de fake news e questionamento do resultado das eleições de 2022 por parte do ex-presidente.
Ranier Bragon/FolhapressPoliticaLivre