Publicado em 25 de dezembro de 2022 por Tribuna da Internet
Laryssa Borges
Veja
Nos últimos três anos, o Congresso esteve no epicentro de uma barulhenta polêmica. Pela lei, cabia aos deputados e senadores a definição sobre o destino de recursos da União para áreas como saúde e educação. Uma mudança nas regras, aprovada em 2019, deu ao relator da Comissão de Orçamento poderes para atender demandas sem a necessidade de identificar o verdadeiro interessado.
Em outras palavras, o relator podia enviar verbas públicas para uma determinada cidade, omitindo o nome do padrinho político — que podia ser ele mesmo, um prefeito ou alguém que, por razões quase sempre pouco republicanas, preferia se manter anônimo.
FRAUDES E PROPINAS – Essa modalidade ficou conhecida como “orçamento secreto”, esteve na raiz de diversas fraudes detectadas pela Polícia Federal ao longo desse tempo e, suspeita-se, foi usada como moeda de troca para aprovar projetos de interesse do governo.
Na segunda-feira, dia 19, numa votação dividida, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o mecanismo inconstitucional. A decisão provocou o primeiro abalo nas relações entre o presidente eleito, os congressistas e os ministros da Corte.
Pelas regras até então em vigor, deputados e senadores teriam 19 bilhões de reais do Orçamento para enviar às suas bases eleitorais em 2023, sem a necessidade de seguir qualquer critério técnico ou de transparência.
SEM SEGREDO – Com a decisão do STF, o segredo acabou. No entanto, a partir do ano que vem, os parlamentares continuarão definindo o destino de parte dos recursos, só que agora mais às claras, sem a intermediação do relator.
Já o abalo institucional se deu por conta de um acordo que havia entre Lula e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco. Na campanha eleitoral, o candidato do PT classificou o orçamento secreto como o maior “esquema de corrupção da história”, prometeu acabar com o mecanismo se fosse eleito, mas depois recuou.
Em troca desse recuo, os parlamentares se comprometeram a aprovar a chamada PEC da Transição, medida que permite ao futuro governo gastar o que não tem. Assim, os dois lados sairiam ganhando.
NOVAS REGRAS – No dia seguinte à decisão do STF, os parlamentares embutiram na PEC da Transição as novas regras para a aplicação dos recursos antes destinados às tais emendas do relator. O arranjo procurou atender a todos — governistas, oposicionistas e futuro governo. Os 19 bilhões foram divididos entre o Executivo e o Congresso.
Deputados e senadores, portanto, terão no ano que vem quase 10 bilhões de reais a mais para enviar aos seus redutos eleitorais. A outra metade ficará a critério do Executivo, podendo ser destinada — em tese — para investimentos em áreas que o futuro governo achar mais apropriadas ou convenientes.
Em tese, porque a indicação para a aplicação desses recursos continuará cabendo ao relator da Comissão de Orçamento, o que abre o caminho nem sempre muito reto para “negociações políticas”.
SEM TRANSPARÊNCIA – O dispositivo aprovado permite, por exemplo, que um parlamentar indique a construção de um hospital em seu reduto eleitoral, sem que ele apareça como o beneficiado, já que formalmente a recomendação caberá ao relator.
Como a execução dessa parte do orçamento não será obrigatória, o governo decidirá se libera ou não o dinheiro para o tal hospital.
Ou seja, na prática a verba poderá ser usada para premiar um aliado, recompensar um opositor ou simplesmente comprar apoio político — o velho e conhecido toma lá dá cá.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Nada mudou, na verdade. Nada de novo no front ocidental, diria o genial escritor alemão Erich Maria Remarque. (C.N.)