Aliados querem que presidente se pronuncie hoje
Por Fernando Exman (foto)
Dois meses atrás, entre o primeiro turno e o segundo, o humor daqueles que frequentavam o Palácio da Alvorada oscilava entre a preocupação com o desempenho do morador da residência oficial da Presidência na reta final da campanha e um relativo otimismo com uma virada. Esta não aconteceu, mas a atenção com o comportamento de Jair Bolsonaro permanece.
Os que ainda têm livre acesso a ele tentam, em reunião nesta quarta-feira, convencê-lo a fazer um pronunciamento à nação. Uma despedida.
O formato ainda se discute. Pode ser a última das suas famigeradas “lives” ou, até mesmo, uma postagem protocolar nas redes sociais. Mas o apelo é para que Bolsonaro, sem foro privilegiado a partir do domingo e decidido a viajar aos Estados Unidos para não prestigiar a posse do sucessor, pelo menos dirija algumas palavras aos seus eleitores e aos apoiadores que se recusam a aceitar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ele não deve voltar antes do carnaval. Seus interlocutores defendem que espere os primeiros cem dias de Lula III para ver a popularidade do rival, retomando, na sequência, o projeto de viajar pelo país.
Uma declaração o recolocaria na condição de potencial líder da oposição. E poderia acalmar os ânimos daqueles que, acampados em frente a quartéis, já ultrapassaram a fronteira da legalidade e adotaram métodos terroristas.
Incentivada pelo silêncio do presidente, essa turma vive de “fake news" no “Bolsoverso” - espécie de metaverso onde se experimenta uma vivência paralela fomentada por notícias falsas relacionadas a uma ruptura institucional. Outro dia, por exemplo, afirmou-se que a posse não poderia ocorrer até que fosse publicado um despacho específico no “Diário Oficial da União” formalizando a diplomação do eleito. Mentira.
Em outro caso, espalhou-se a informação falsa de que estava se dando mais respaldo jurídico para as Forças Armadas agirem como poder moderador, como pregam interpretações equivocadas do artigo 142 da Constituição. Eles se referiam a uma portaria regulamentando as atribuições da consultoria jurídica do Ministério da Defesa. Entre elas, “fixar a interpretação da Constituição”.
Na vida real, fora do “Bolsoverso”, regimentos internos de diversas pastas contêm exatamente o mesmo parágrafo. Segundo ele, cabe à consultoria jurídica do órgão em questão “fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos, a ser uniformemente seguida na área de atuação do Ministério, quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União”.
Foi também a vida real que atrapalhou os planos da reeleição na reta final da campanha, quando a vantagem de Lula nas pesquisas diminuía.
As sondagens internas do comitê de Bolsonaro captavam sinais semelhantes. Segundo esses levantamentos, o presidente estava numa curva ascendente: projetava-se que ela poderia cruzar com a linha gráfica que representava as intenções de voto em Lula no fim de semana anterior ao pleito. Isso, claro, se tudo corresse bem.
Depois de muita resistência e seguidas medidas eleitoreiras que ainda terão efeitos duradouros nas contas públicas, Bolsonaro chegou a admitir que não agira corretamente durante a pandemia. E intensificou a agenda de rua em Estados estratégicos.
Lula, por sua vez, ia ganhando adesões de peso. Criadores do Plano Real, outros economistas de renome e empresários importantes sinalizavam apoio ao petista, fortalecendo a construção da frente ampla que semanas depois o conduziria em seu caminho de volta para o Planalto.
À medida que se aproximava o prazo estipulado pelos estrategistas da campanha bolsonarista para a tal possível virada, crescia a tensão no entorno do presidente. Perguntado se havia tempo suficiente, um importante ministro avançou: Vocês estão achando que a volta de Lula e do PT vai ser legal, vai ser boa para o país? Sem esperar a réplica, ele mesmo respondeu. Disse que via o Brasil como a mocinha do icônico videoclipe da música “Thriller”, de Michael Jackson.
No início do filme, o protagonista passa a imagem de bom partido. Todo arrumado, pede a moça em namoro. “Os dois vão ao cinema, assistem a um filme, comem pipoquinha.” Depois caminham, até passarem por um cemitério, quando aquele que parecia um galã atrai zumbis para fora de suas covas.
Na peça de ficção, o suposto mocinho transforma-se, ele também, em monstro. E sai dançando, em coreografia, com as criaturas que retornaram de outro plano. Com a alegoria, o auxiliar de Bolsonaro criticava aqueles que estavam, na sua visão, deixando-se seduzir por alguém que, apesar de um discurso brando durante a campanha, retornaria mal acompanhado e com políticas públicas antiquadas.
O recado até poderia sensibilizar aqueles que dão expediente na Faria Lima. Para baixo da pirâmide social, contudo, o jogo era mais difícil.
Com sua postura negacionista na pandemia, Bolsonaro perdeu pontos e mais pontos entre mulheres de classe média. Na visão da ala política, o governo demorou a implementar o Auxílio Brasil e, quando o fez, adotou um valor modesto. Defendia-se um benefício de R$ 800, para que o efeito nas pesquisas eleitorais fosse mais rápido.
Bolsonaro acreditou que o discurso religioso seria mais importante do que falar de economia, da vida real. Percebeu que isso não era verdade quando, em um misto de inocência política e arrogância, integrantes do governo fizeram uma reunião para planejar 2023 antes de concluída a disputa. Nela, discutiu-se, entre os possíveis cenários, do mais exequível ao mais remoto, a desindexação do salário mínimo. Documento vazado, estrago eleitoral feito.
Aquele fim de semana usado como potencial ponto de inflexão pela campanha bolsonarista chegou e, com ele, o criminoso ataque do ex-deputado Roberto Jefferson a agentes da Polícia Federal. Na sequência, a deputada Carla Zambelli ameaçou um homem negro com uma arma, após ter uma discussão política.
Os episódios afastaram aqueles que ainda poderiam apoiar a reeleição do presidente, mas se assustaram com o nível de violência. Esta preocupação inexiste no “Bolsoverso”, mas inclusive lá a posse de Lula será uma realidade no domingo.
Valor Econômico