Publicado em 30 de dezembro de 2022 por Tribuna da Internet
Hélio Schwartsman
Folha
“Nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”. Foi com palavras desse teor que o político gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) instruiu seu cocheiro a afastar-se de uma multidão que o hostilizava. É com esse mesmo espírito, creio, que o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, deverá distanciar-se do bolsonarismo.
Tarcísio não pode simplesmente dar uma banana a Bolsonaro e seus apoiadores porque sabe que sua eleição para o Bandeirantes se deveu exclusivamente a eles.
SEM PRESSA… – O futuro governador era um técnico carreirista de Brasília, que ocupara postos de relevo nos governos de Dilma, Temer e Bolsonaro, e só se tornou candidato porque o ainda presidente da República decidiu ungi-lo como tal e para ele transferiu seus votos. Um afastamento rápido demais, que possa ser interpretado como traição, poderia liquidar sua recém-iniciada carreira política.
Tarcísio também sabe que, nos próximos anos, a influência do ex-chefe será declinante e que seria impossível fazer um governo minimamente razoável valendo-se só de quadros do bolsonarismo, cuja incompetência é proverbial.
Dado que os apoiadores mais radicais do capitão reformado exigem nada menos do que lealdade absoluta, é uma questão de tempo até que se acumulem divergências que tornarão uma ruptura inevitável.
DIVIDINDO O GRUPO – Esses dilemas do nem tão rápido, nem tão devagar aparecem na composição do secretariado. Tarcísio trouxe para seu círculo de auxiliares algumas figuras ligadas ao bolsonarismo, incluindo um da linha prendo e arrebento para tomar conta da segurança pública, mas cercou-se também de cientistas que fizeram oposição aberta a atitudes do ainda presidente.
Como conselheiro político, ele aproximou-se de Gilberto Kassab, que, no plano federal, deve apoiar o governo Lula. Se Tarcísio não quiser ser político de um mandato só, tem uma janela de quatro anos para criar luz própria.