Dúvidas sobre Lula podem elevar custo da dívida pública e agravar desigualdades
Desde que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reforçou as dúvidas a respeito de seu compromisso com a responsabilidade fiscal, os juros de mercado subiram acentuadamente.
No final de outubro, antes do famigerado discurso em que Lula minimizou os danos econômicos potenciais do desequilíbrio orçamentário, as taxas incorporavam a expectativa de que a Selic, do Banco Central, cairia de 13,75% para 11% ano ao longo de 2023. Tal trajetória ajudaria a manter o ciclo de expansão do Produto Interno Bruto.
A partir daí, o quadro mudou. Em novembro, o mercado credor passou a considerar uma alta da Selic para além de 14% anuais.
Ressalte-se que 3 pontos percentuais a mais no custo da dívida significam um incremento da despesa pública com juros na casa dos R$ 40 bilhões já no próximo ano. Dentro de dois exercícios, o montante passaria dos R$ 80 bilhões —mais do que o que se precisa somar ao Orçamento para garantir o Auxílio Brasil de R$ 600 mensais.
Com sinais de que a chamada PEC da Transição não será aprovada como gostaria o PT (com gastos permanentes de quase R$ 200 bilhões fora do teto de gastos), houve algum arrefecimento nos temores de analistas e investidores.
Entretanto a mensagem é clara. Uma expansão sem cuidado de despesas contribuiria para instabilidade econômica por dois canais. O primeiro, mais óbvio, é o da demanda. A economia brasileira está em expansão que deve chegar aos 3% neste ano, conforme mostraram os dados do PIB.
O desemprego tem caído rapidamente, parece consolidar-se uma recuperação dos salários e acumulam-se dados positivos nos investimentos das empresas, trajetória que precisa ser preservada.
A ânsia do novo governo em abrir espaço para uma infinidade de demandas, das legitimas às oportunistas, parece partir de um diagnóstico de que há terra arrasada na atividade econômica a exigir ampla intervenção do Estado. Trata-se de receita para mais inflação.
Em segundo lugar, a perspectiva de descontrole da dívida eleva rapidamente os riscos no mercado e desvaloriza o real, fatores que também conduzem a mais elevação de preços e de juros.
Por certo há necessidade de aportes no setor social, e a preservação do Auxílio Brasil —embora com ajustes nas regras do programa— pode e deve ser assegurada.
A eficácia do aparato de seguridade estará comprometida, no entanto, se o descontrole orçamentário solapar a retomada em curso. O combate à pobreza será minado sem recuperação do emprego, e a desigualdade de renda tende a se agravar com piora da inflação e alta dos juros pagos aos credores.
Folha de São Paulo