Nota da corporação usa termos comuns ao vocabulário político e gerou incômodo dentro da instituição
Por Ricardo Corrêa
Após o pré-candidato do Podemos à Presidência da República, Sergio Moro, fazer críticas ao combate à grande corrupção na atual gestão do governo federal, a Polícia Federal reagiu ao ex-juiz e ex-ministro da Justiça. Em uma nota sem assinatura - ou seja, em nome de toda a instituição - e utilizando termos próprios do mundo político, a corporação entrou no debate eleitoral. Algo absolutamente inusual e que causou irritação inclusive dentro da própria corporação.
Imaginem se isso vira moda. Instituição de Estado respondendo aos candidatos a presidente para defender políticas de um governo que disputa a reeleição. Algo fora de propósito, e que talvez só não ganhe a repercussão adequada junto à sociedade pois grande parcela da oposição ao presidente Jair Bolsonaro acha graça de Sergio Moro tomar um esfrega em plena campanha. Se a reação da PF fosse com Lula, a indignação provavelmente seria maior.
O certo é que órgão de Estado deve prezar pelo princípio da impessoalidade. A defesa do trabalho da Polícia Federal é cabível, mas dentro de termos institucionais. A PF poderia defender seu trabalho sem citar candidato ou usar termos puramente políticos como “Moro mente”, “Moro faz ilações”, “o ex-juiz confunde, de forma deliberada, as funções da PF”, criticar o ex-ministro por sua atuação no Ministério da Justiça e na relação com a corporação - ou sugerir que ele usa o combate à corrupção como trampolim para projetos políticos. Temos aí uma instituição, afinal a nota não é assinada pelo superintendente ou qualquer outro diretor, fazendo juízo de valor sobre um candidato e suas estratégias na disputa eleitoral.
É natural que tal nota tenha pegado tão mal junto a setores da PF. Ela só ajuda a reforçar o que o próprio Moro, outros agentes políticos e especialistas indicam: que o nível de interferência na cúpula da corporação está acima do aceitável.
A nota da PF e, principalmente, a reação que se produzir a ela, vão indicar como vai se comportar o Estado brasileiro nesta eleição. Está colocado um evidente desafio às instituições do país e, sobretudo, à Justiça Eleitoral que, em período de disputa, deve ficar ainda mais vigilante ao cumprimento do princípio da impessoalidade, que existe para que o Estado não seja tomado por um de seus ocupantes transitórios. A PF, certamente, é maior do que a nota que publicou justamente por não pertencer a esses governantes. Sua independência deve ser seu maior patrimônio.
O Tempo