Publicado em 21 de fevereiro de 2022 por Tribuna da Internet
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Em 9 de julho de 2019, quando tomava corpo o desmonte da Lava-Jato e de todo o sistema de combate à corrupção, o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão deu uma aula sobre esse tema aqui no Globo. Começou contando uma história que ouvira de um ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.
“O Supremo julgava um traficante de drogas. Preso com 30 ou mais quilos de cocaína. Não lembro bem. Uma enormidade. Na apreensão, ou durante o processo, uma autoridade teria cometido ato duvidoso diante da lei. A defesa argumentou ofensa ao princípio de devido processo legal. Donde, “in dubio, pro reo”. O debate no Supremo caminhava rotineiramente para a soltura e absolvição do traficante preso. Quando, surpresa, um ministro perguntou a seus colegas: E a cocaína? O que fazemos com os mais de 30 quilos apreendidos?” contou Falcão.
DINHEIRO DA CORRUPÇÃO – Claro que já perceberam aonde queremos chegar. À pergunta que os tribunais terão de responder em breve: o que faremos com o dinheiro da corrupção capturado em processos que vêm sendo anulados?
Esse dinheiro é tão concreto quanto os quilos de cocaína. Em dezembro passado, a Petrobras informou que chegara ao final de 2021 com R$ 6,17 bilhões recuperados em acordos de leniência, repatriações e delações. Dinheiro da corrupção apanhada pelos dois principais ramos da Lava-Jato, a de Curitiba e a do Rio.
Há outros processos de recuperação em andamento. A Petrobras informou que atua como coautora em 31 ações de improbidade administrativa e 85 ações penais vinculadas às diversas fases da Lava-Jato. Periga perder todas.
DOENÇA DO PROCESSUALISMO – A Lava-Jato de Curitiba já foi desmantelada. Os garantistas, réus e advogados do grupo Prerrogativas — aquele que promoveu o jantar para Lula e Alckmin —, se preparam agora para desmontar os processos do juiz Marcelo Bretas, da Lava-Jato do Rio. A tática é a mesma: não provar a inocência dos clientes, mas anular os processos com base no que o professor Falcão chama de doença do processualismo.
Diz ele: “Longe viver sem o devido processo legal e o pleno direito de defesa. Ao contrário. Mas seu inchaço não nos leva à saúde da democracia. Quem transforma o saudável direito processual em patológico processualismo?”
LIMPAR O NOME – Um amigo advogado conta uma história que deve ser inventada, mas é boa assim mesmo. Diz que um empresário apanhado na Lava-Jato foi a um conhecido escritório de advocacia e disse que queria limpar seu nome, mesmo perdendo todo seu dinheiro. O advogado teria respondido: “Veio no escritório errado; aqui a gente salva o dinheiro, mesmo deixando o nome na lama”.
O PT não quer apenas Lula livre. Quer limpar o nome do candidato e do partido. Acaba de lançar uma história em quadrinhos para, explica o redator, facilitar o entendimento “de quem não aguenta mais ler textão”.
Ou seja, deixem os processos de lado e fiquem com a seguinte narrativa, muito simples: não houve corrupção, Lula é inocente, culpado é o Moro.
PROVA DE INOCÊNCIA? – O quadrinho admite que não houve sentença declarando Lula inocente, mas argumenta que a extinção dos processos é prova de inocência.
Não é, mesmo porque as provas da corrupção — e o dinheiro — não desaparecem simplesmente porque algum juiz considerou o processo irregular.
Trata-se, sem tirar nem pôr, do mesmo caso da cocaína. Os tribunais que estão liberando geral vão fazer o que com os bilhões capturados? A Petrobras terá de devolver os R$ 6,17 bilhões?
MORO SOB ATAQUE – Seria a consequência lógica. Se não houve um grande esquema de corrupção montado nos governos do PT e associados, se os processos foram extintos, então o dinheiro teria de ser devolvido a seus “donos”. E já tem ex-réus cogitando disso.
Para o PT, entretanto, isso não é o essencial. A questão está nas eleições. Sendo Moro candidato, é claro que colocará o tema no debate — e ele sabe muita coisa, tem muito documento e provas à disposição.
Por isso o PT ataca tanto o ex-juiz. E por isso publica seus quadrinhos. Para ludibriar os eleitores.