Bolsonaro não dará um minuto de trégua ao País sempre que seus interesses eleitorais estiverem em jogo. Dificultar a vacinação de crianças é cálculo
Neste fim de ano, a paz dos brasileiros, sobretudo de milhões de mães, pais e responsáveis por menores de idade, foi perturbada mais uma vez pelas ações do governo para dificultar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a covid-19. Nada menos.
Desde que a Anvisa aprovou a aplicação da vacina da Pfizer na população daquela faixa etária, no dia 16 de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro pôs-se a atacar não apenas a vacinação dos menores, como também os servidores da Anvisa que, com base em estudos científicos, tomaram a decisão de autorizar o uso do imunizante em crianças. Atiçados pelos discursos do presidente contra essa vacinação, bolsonaristas passaram a ameaçar esses servidores, inclusive de morte. O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu do diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, um relatório com o teor dessas ameaças.
Bolsonaro não dará um minuto de trégua ao País sempre que seus interesses eleitorais estiverem em jogo. A um só tempo, o ataque desabrido contra a vacinação de crianças em meio a uma tragédia sanitária sem precedentes mostra que, primeiro, o presidente não tem qualquer tipo de freio moral; e, segundo, que Bolsonaro age orientado apenas por sua estratégia para se manter no poder, mesmo que isso implique causar ainda mais aflições aos brasileiros.
Assim como ocorreu quando do início da vacinação dos adultos, a campanha de Bolsonaro contra a vacinação de crianças, a pretexto de supostamente protegê-las, faz parte da estratégia do presidente para excitar uma base mais radical de seus apoiadores e, assim, tentar se manter competitivo para a disputa da eleição de 2022. O ano que termina aos sobressaltos, portanto, prenuncia o que está por vir, à medida que Bolsonaro se depara com dificuldades em sua campanha pela reeleição.
Fingindo preocupação com a saúde das crianças, Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, têm dificultado tanto quanto podem o início da vacinação de crianças de 5 a 11 anos no País. A pretexto de “dividir responsabilidades”, o Ministério da Saúde criou uma esdrúxula enquete virtual sobre a vacinação das crianças, que ademais trazia perguntas absolutamente enviesadas. O Ministério também decidiu exigir prescrição médica para aplicação da vacina, algo que não é feito com nenhum outro imunizante. Obviamente, muitos Estados já anunciaram que não vão adotar a medida.
Não têm sido poucas as vozes, inclusive no próprio governo federal, que se erguem contra a insanidade de Bolsonaro e Queiroga de dificultar a vacinação de crianças, a despeito de sua comprovada segurança. Em nota técnica, a chefe da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento da Covid-19, Rosana Leite de Melo, contrariou o próprio chefe e afirmou que a vacina da Pfizer é, sim, segura para crianças de 5 a 11 anos. “Antes de recomendar a vacinação contra a covid-19 para crianças, os cientistas realizaram testes clínicos com milhares de crianças e nenhuma preocupação séria de segurança foi identificada”, diz trecho da nota assinada pela secretária, que tem sido uma ilha de sensatez no Ministério da Saúde.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) também divulgou manifesto em que defende a vacinação do público infantojuvenil como forma de reduzir o número de internações e mortes por covid-19 nesse segmento da população. Contrariando a infame declaração de Queiroga, segundo a qual “os óbitos de crianças estão absolutamente dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais”, a SBP afirmou que as mortes de crianças e adolescentes em decorrência do coronavírus não estão em patamares aceitáveis no Brasil.
Que fique claro: para Bolsonaro, que não honra a faixa presidencial, e Queiroga, que não honra o diploma de Medicina, é irrelevante se a vacina será aplicada ou não; o que importa é criar tumulto para se apresentarem como defensores da “liberdade” e, agora, de crianças indefesas. Cedo ou tarde, essa impostura bolsonarista será finalmente vencida, mas, até lá, haja paciência.
O Estado de São Paulo