Daniel Carvalho e Renato Machado
Folha
Pressionado em sua bolha nas redes sociais nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou uma live de mais de uma hora de duração na noite de Natal, nesta quinta-feira, dia 24, para defender o ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), atacar o governador João Doria (PSDB-SP) e acenar para seu eleitorado conservador.
O presidente lançou mão de todo seu arsenal ideológico. Citou armas, cloroquina, queimadas na Amazônia, fez comentário homofóbico e gordofóbico, atacou a imprensa, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), o comunismo, o PT, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e ONGs (organizações não-governamentais) e falou de Venezuela, de Cuba e de patriotismo. A live teve participação do artista plástico Romero Britto, que disse que um quadro que fez com o rosto de Bolsonaro era “priceless” (impagável, em português).
ATAQUES – O presidente tem sido atacado por seus próprios apoiadores desde a semana passada, quando seu indicado para o STF votou no julgamento em que a Corte decidiu permitir que o Estado imponha restrições a quem não tomar vacina contra Covid-19.
As cobranças se asseveraram no domingo, dia 20, depois que Kassio Nunes Marques suprimiu um trecho da Lei da Ficha Limpa que determinava que o prazo de oito anos de inelegibilidade começava a ser contado após o cumprimento da pena. O encaminhamento dado por Kassio foi alvo de críticas de movimentos de defesa da Ficha Limpa, que viram na decisão desmonte da lei e estímulo à corrupção.
“Quanto mais lei se faz, né… tudo que é abuso, é demais, atrapalha. Lei demais atrapalha. Mas, tudo bem, ele não acabou com a Lei da Ficha Limpa não. Sem querer defender o ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes. Repito, ele definiu a questão apenas de início da contagem do tempo da inelegibilidade”, afirmou Bolsonaro na transmissão.
CRÍTICOS – Bolsonaro citou críticos que dizem que não votarão mais nele em 2022 por causa da indicação de Kassio. “Paciência. Eu lamento. Não posso obrigar você a votar em mim, se eu vier candidato no futuro, não sei. Você é dono do seu voto”, disse o presidente.
Kassio entrou na Corte em novembro, na vaga do ministro Celso de Mello. Em julho de 2021, Bolsonaro poderá indicar outro nome, desta vez para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello. Se conseguir a reeleição, indicará os substitutos dos ministros Ricardo Lewandowski (maio de 2023) e Rosa Weber (outubro de 2023).
Bolsonaro disse querer indicar pessoas com o mesmo perfil de Kassio Nunes Marques. “O outro que eu vou indicar é o padrão dele. Pode ter certeza disso”, disse. “Indiquei dois [ministros do STF]. Alguns dizem que eu devo disputar a reeleição. Se for reeleito, mais dois. São quatro. Você passa a ter gente que pensa como você —porque dentro do Supremo também tem gente que atira para tudo o que é lado, mais à esquerda, mais à direita, mais para o centro—, mas mais alinhado com o meu perfil”, afirmou Bolsonaro.
ALINHAMENTO – “Se você quer que o Supremo, em pouco tempo, esteja, em grande parte, alinhado no perfil parecido com o meu, tudo bem. Agora, você quer para a esquerda, continue dando pancada em mim”, prosseguiu o presidente.
Bolsonaro também vem sendo cobrado por seus apoiadores por não se manifestar sobre a situação do blogueiro Oswaldo Eustáquio. Preso na semana passada por descumprir restrições impostas pelo Supremo ao se deslocar até o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o blogueiro foi hospitalizado na noite de segunda-feira, dia 21.
De acordo com a defesa de Eustáquio no inquérito em que o paranaense é investigado pela prática de atos anti-democráticos, ele consertava o chuveiro de sua cela no presídio da Papuda quando caiu sobre a pia e fraturou uma vértebra.Sobre este assunto, Bolsonaro não se manifestou na live.
AVENTURA – A respeito da pressão para que tome medidas mais drásticas, o presidente disse que não pode lançar o país numa aventura, mas ponderou que “todo mundo sabe que tudo tem limite” e que não aceitará nenhum “movimento conspiratório” para tirá-lo do cargo.
Outro assunto da transmissão desta semana foi o governador João Doria, adversário de Bolsonaro. O presidente criticou a viagem que Doria fez a Miami logo após endurecer as medidas restritivas em São Paulo por causa do agravamento da pandemia de Covid-19. Em um dos momentos em que atacou o rival, defendeu que as pessoas se armassem.
“Quero o cidadão de bem armado. O povo armado acaba esta brincadeirinha de ‘vai ficar todo mundo em casa e eu vou passear em Miami’. Ah, pelo amor de Deus, oh, calça apertada, calcinha apertada, isso não é coisa de homem, porra. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. Que negócio é esse, pô? É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime”, disse Bolsonaro.